Aspectos tributários do socorro à indústria

Por Marcos Cintra*

De todas as medidas para socorrer a indústria no chamado Plano Brasil Maior a que mais se destaca encontra-se na esfera dos tributos. Trata-se da extinção dos 20% do INSS cobrados sobre a folha de pagamentos de quatro setores: confecções, calçados, móveis e softwares. Como contrapartida, será cobrada uma alíquota de 1,5% sobre o faturamento dos três primeiros e de 2,5% sobre o faturamento do último.

Foi frustrante ver que, depois da expectativa criada em torno de uma desoneração ampla da folha de pagamentos, a redução do custo trabalhista no Brasil virou um quebra-galho abrangendo alguns setores. A medida promove um corte pífio no elevado ônus sobre os salários, afetando apenas segmentos fragilizados pelo câmbio valorizado, e a base alternativa para cobrir a redução do INSS, o faturamento, não leva em consideração sua vulnerabilidade à evasão.

Alguns críticos podem repudiar a escolha do faturamento dizendo se tratar de uma base cumulativa. Porém, não é essa característica que deve ser destacada e sim o fato de ser mantida uma base de natureza declaratória para o INSS, o que vai permitir a continuidade de práticas comuns no País como a sonegação e o subfaturamento. A cumulatividade é apenas um método de arrecadação tributária, que pode ser eficiente quando se utiliza uma forma de cobrança automática, imune à evasão, como é o caso da movimentação financeira.

Outro aspecto que precisa ser levado em consideração na troca de base da contribuição previdenciária é que erros praticados com outros impostos se repetiram. Mais uma vez o leque de modalidades de cobrança tributária se abre, tornando um sistema caótico em algo ainda mais complexo e mantendo um alto custo de gerenciamento fiscal.

O PIS/Cofins é um caso emblemático dessa insana complexidade. O tributo foi desmembrado em duas modalidades, uma parte cobrada sobre o faturamento e outra sobre o valor agregado, e isso gerou tanta confusão que até os técnicos da Secretaria da Receita Federal reconheceram num determinado momento que não sabiam o que estava valendo para esse imposto. Outra situação patética ocorreu quando setores que defendiam a não cumulatividade ficaram sujeitos a esse tributo cobrado sobre o valor adicionado e depois se arrependeram e pediram a volta ao modelo antigo.

Outro caso de desmembramento ocorreu com o ICMS, que hoje tem três formas de cobrança: sobre o valor adicionado, o faturamento (serviços de restaurantes em São Paulo) e a substituição tributária. Esse é um dos tributos de maior dificuldade para ser decifrado e o mais sonegado no País, tanto que a modalidade substituição veio para tentar corrigir essas anomalias, o que representa uma negação da tese da superioridade dos tributos sobre valor agregado. A confusão é tanta que os burocratas acabam atirando para todos os lados.

As experiências do PIS/Cofins e do ICMS foram importantes para tornar o “Frankenstein tributário” brasileiro ainda mais horripilante. Foram ápices do viés burocrático que reina no País e que de novo se manifestou com o Plano Brasil Maior por conta de mais um desmembramento. Agora foi a contribuição previdenciária, que permanece com uma parte cobrada sobre a folha de pagamentos e outra sobre o faturamento. O leque se abriu mais um pouco, impondo mais complexidade à estrutura de impostos.

* Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

www.marcoscintra.org / mcintra@marcoscintra.org

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