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Por Mary Elbe Queiroz
O Brasil, seguindo os demais países do mundo, vem implantando medidas para coibir planejamentos tributários. Este é um procedimento lícito que pode ser usado sim com o fim de reduzir a carga tributária.
Os países, para aumentar a arrecadação, têm adotado medidas para evitar que as empresas paguem menos tributos. Para tanto, editam leis para enquadrar, por meio de presunções legais, operações lícitas em hipóteses de incidência tributária. Foi o que fez o Brasil quando aprovou a Lei nº 9.430, de 1996, para criar a legislação dos preços de transferência. Para regulamentar a lei e explicitar os procedimentos de fiscalização a serem adotados para a apuração dos preços de transferência, foram editadas, pela Receita, várias instruções normativas.
Em 2002, foi publicada a Instrução Normativa nº 243 - que ultrapassou a previsão da Lei 9.430, de 1996, e criou método de apuração do preço parâmetro com base em preço médio ponderado. Acontece que a Lei 9.430 expressamente dizia que o preço parâmetro seria apurado com base em média aritmética.
O aumento de tributo se refere exatamente ao cálculo do preço com base em média ponderada
É elementar que a média ponderada é diferente de média aritmética. A interpretação extensiva da IN 243 resultou na majoração de tributo que viola o art. 150 da Constituição. A partir daí, os contribuintes que seguiram os cálculos da lei passaram a sofrer autuações para cobrança de tributo e pesadas multas com base na IN 243.
A inconstitucionalidade e ilegalidade da IN 243 foi confirmada pela própria exposição de motivos da Medida Provisória nº 478, de 2009, que tratou dos preços de transferência e não foi aprovada pelo congresso. Ela dizia que os métodos para apuração do preço parâmetro estavam previstos só em instrução normativa e não em lei. Essa inconstitucionalidade e ilegalidade também foi confessada na exposição de motivos da MP 563/2012 - convertida na Lei nº 12.715/2012. No item 56 está dito que a MP visa reduzir litígios e contemplar hipótese e mecanismos não previstos quando da edição da norma. No item 63, de modo louvável, está expresso que algumas das alterações introduzidas pelos arts. 38 e 40 da MP 563 podem implicar em aumento de tributo, daí garantir o princípio da anterioridade com a produção de efeitos somente para 2013. Ora, o aumento de tributo se refere exatamente ao cálculo do preço com base em média ponderada. Provado, portanto, que a aplicação da IN majorava tributo.
Várias decisões administrativas vêm convalidando essa majoração, como os acórdãos 1302-001.162 e 1402-001.468 de 2013, do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Em alguns casos, com bom senso, o Carf tem admitido que não se aplica a IN 243 quando provado que houve majoração de tributo. O tema já chegou aos tribunais e o Tribunal Regional Federal da 3ª região, na apelação 0034048-52.2007.4.03.6100, decidiu que a IN extrapolou a lei.
Após a Lei nº 12.715, e a nova IN 1.312, de 28 de dezembro de 2012, foi lançada uma pá de cal sobre a discussão em relação aos autos de infração lavrados após essa data. É que o artigo 60 da nova IN 1.312 expressamente revogou a IN 243 e não estabeleceu qualquer regra de ultratividade ou transitoriedade. É inquestionável, assim, que a IN 243 não poderá mais ser aplicada nem mesmo para lançar tributo relativo a período anterior ao ano de 2012. É que, de acordo com o artigo 144, parágrafo 1º, do CTN, as normas interpretativas e que fixam novos critérios de procedimentos para a fiscalização são aplicáveis de imediato, retroagem e alcançam lançamentos relativos a fatos ocorridos antes da sua vigência. A exceção é se implicar em aumento de tributo, pois só lei pode estabelecer isso e a fatos geradores futuros.
Como a Instrução Normativa da Receita é uma norma da legislação que dá a interpretação da administração tributária sobre as leis (art. 100 do CTN), a nova Lei 12.715/12 e a IN 1.312/12 é que deverão ser aplicadas para todos os autos de infrações lavrados após a publicação das mesmas mesmo relativos a fatos anteriores. Assim, após dezembro de 2012 não poderá mais haver lançamento que use os métodos previstos na IN, como a média ponderada. A nova IN 1.312 também fala em média ponderada, porém, nesta parte ela regula a Lei nº 12.715 e, portanto, a Lei não retroage e só poderá ser aplicada aos fatos ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2013.
Quanto aos procedimentos fiscais relativos a fatos geradores de 2008 a 2013, deverão ser aplicadas a Lei nº 12.715 e a IN 1.312, salvo quanto majorem tributo. Caso contrário, será nulo o lançamento feito sem obedecer às novas regras para execução do lançamento, especialmente quanto à necessidade de durante a fiscalização intimar o contribuinte para, no prazo de 30 dias, fazer a opção pelo método e apresentar novos cálculos que entender mais favoráveis. E mais: a autoridade fiscal somente poderá desconsiderar o método adotado pelo contribuinte se não for apresentado por este o método, ou os elementos forem insuficientes ou imprestáveis para a apuração do preço parâmetro, o que terá que ser também demonstrado e provado pelo Fisco.
Portanto, qualquer auto de infração lavrado após 28/12/2012 que aplicar alguma disposição da IN 243, mesmo para fatos geradores de 2008 a 2013, será improcedente por estar em desacordo com as novas normas vigentes e, além de violar a ampla defesa, estará viciado por ilegalidade.
Mas, sobre essa discussão muita tinta ainda vai ser gasta ou muitos bits digitados até que a legalidade seja resgatada.
Mary Elbe Queiroz é pós-doutora (Universidade de Lisboa) e doutora (PUC-SP) em direito tributário, presidente do CEAT e do IPET, sócia de Queiroz Advogados Associados
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