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Por Rogério Studart
Neste último sábado, o economista-chefe do Banco Mundial, Paul Romer, afirmou algo que muitos já sabíamos: o “Doing Business” (DB), uma das publicações mais conhecidas e citadas do Banco Mundial, possui falhas metodológicas e tem sido manipulado com “objetivos políticos”. Porque esta afirmação como esta ganha destaque no jornalismo econômico em todo o mundo, e especialmente qual sua importância para países em desenvolvimento?
Não é de hoje que o ranking de ambiente de negócios do Banco Mundial sofre críticas internas e externas. Entretanto elas se tornavam mais ácidas a partir de um relatório de 2008 do Grupo Independente de Investigação (IEG, em inglês), do mesmo Banco Mundial. Neste documento, o IEG chamava a atenção para importante falhas conceituais e metodológicas do Doing Business, sugerindo inclusive que sua publicação – na qual o Brasil figura na 125º posição em 2018 – fosse interrompida imediatamente. Somente para aguçar a curiosidade da (o) leitora neste relatório (https://goo.gl/3RAL8x), cito quatro das muitas críticas apresentadas pelo IEG.
Primeiramente, o relatório do IEG parte de uma dupla hipótese: quanto menos regulada a economia, melhor o ambiente de negócios; e quanto melhor o ambiente de negócios maior o investimento, o crescimento e o desenvolvimento. O IEG evidentemente não nega que um bom ambiente de negócios é condição – se não suficiente, pelo menos necessária – para investir, crescer e o desenvolver. Mas critica a via “fácil” da desregulamentação, defendida pelo DB, procurando demonstrar que há evidências fortes de que o caminho pode ser o contrário: uma regulação inteligente, eficiente e socialmente justa melhora o funcionamento dos mercados.
Em segundo lugar, apontava relatório do IEG, “mesmo que fossem corretos, os indicadores cobrem uma reduzidíssima parte do que constitui um bom ambiente de negócios” – como burocracia, abertura e fechamento de empresas e facilidade de contratação e demissão de funcionários. Os indicadores do Doing Business não tratavam de “infraestrutura, qualidade da mão de obra, políticas de competição e outros determinantes e resultados do investimento e lucratividade” – temas que, por acaso, exigem intervenções governamentais ativas e sustentadas no longo prazo. Segundo o IEG, esta cobertura limitada se justificaria por uma visão ideologizada do conceito de competitividade por parte dos autores do relatório.
Em terceiro lugar, a “pontuação” dos países se baseia na simples aprovação das reformas defendidas pela publicação. Há dois problemas inter-relacionados neste tipo de abordagem. O primeiro problema é conceitual: assume-se imediatamente que ela trará os resultados esperados na melhoria do ambiente de negócios e da competitividade. O segundo é politico, e já mencionado acima: as reformas defendidas pelo Doing Business geram ganhadores e perdedores. Em nações democráticas, a aprovação e/ou boa implementação destas requerem significativo apoio popular, sob o risco de não serem politicamente sustentáveis. E nada indica que instabilidade política favoreça o ambiente de negócios e investimento.
Em quarto lugar, o relatório do IEG aponta para sistemáticas manipulações das bases de dados utilizadas pela equipe do Banco. Face a esta grave acusação, os autores do relatório ponderaram que as manipulações se deviam `a necessidade de manter minimamente consistentes os resultados do ranking ao longo do tempo. Mas, para qualquer pessoa que conhece minimamente metodologia de pesquisa, a desculpa parecia, no mínimo, questionável.
O fato é que o “projeto Doing Business” já nasceu torto. Ele deriva de uma visão preconcebida, e eu diria, equivocada, do que constitui competitividade no mundo globalizado em que vivemos. O projeto só sobrevive porque, deste seu início, o ranking sempre gerou um grande interesse da imprensa, governos e pela opinião pública especializada, que muitas vezes preferem explicações simples para problemas complexos – mesmo quando sejam explicações insuficientes ou equivocadas.
De fato, até hoje muitos governos apoiam o Doing Business e se colocam em verdadeira competição por mostrarem-se como “os melhores reformadores” de acordo com o este ranking do Banco Mundial. Não raro, estes mesmos governos acabam contratando a equipe do DB, e muitos outros consultores internacionais, para ajudar na aprovação e implementação de reformas, e outras partes das cartilhas de Washington.
Depois de anos acompanhando este debate, minha conclusão continua a mesma: é mais uma dessas publicações que consomem muito tempo e dinheiro dos países em desenvolvimento, e provocam muito calor, mas pouca luz sobre os reais desafios do desenvolvimento econômico. É fogo e fúria.
https://www.jota.info/colunas/as-claras/banco-mundial-e-competitivi...
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