AMIR KHAIR - O Estado de S.Paulo
De acordo com as últimas pesquisas de opinião, crescem as chances da candidata do PT vencer as eleições no primeiro turno. Os dois principais ingredientes econômicos e políticos para o cenário em outubro apontam para uma inflação baixa e forte crescimento. Em adição a esse cenário, a campanha eleitoral colou a imagem da candidata à do presidente. Por outro lado, o principal adversário não tem demonstrado competência política na articulação e rumo na sua campanha, o que tem desagradado seus aliados.
Caso se configure a vitória da candidata do PT, longo caminho deverá ser trilhado para manter um saudável desenvolvimento econômico e social. Caso obtenha sucesso, creio que assegure novo mandato a partir de 2015. Possivelmente terá a seu favor um bom período de crescimento forte e inflação baixa, em ambiente macroeconômico saudável.
O difícil foi atravessar os primeiros anos de governo a partir de 2003 com uma situação macroeconômica frágil. Entre erros e acertos o governo conseguiu bons resultados na direção do desenvolvimento econômico e social, com reconhecimento público. Parte-se agora em 2011 de um patamar superior ao de 2003 em todas as áreas, mas os desafios pela frente são imensos. Os déficits sociais e de infraestrutura são elevados e os recursos para enfrentá-los também.
Seguem algumas considerações e sugestões.
Estratégia política. Em campanhas eleitorais, os candidatos fazem promessas sedutoras, que demandam recursos nem sempre passíveis de serem viabilizados, o que pode frustrar expectativas, especialmente após decorridos os primeiros seis meses de governo. No entanto, caso quem vier a ganhar, consiga conjugar bem a utilização dos recursos disponíveis e priorizar sua alocação, especialmente para a melhoria do déficit social, aumentam consideravelmente as chances de fortalecimento político do Executivo nas negociações com o Congresso Nacional.
A chave do sucesso político é o reconhecimento público pela melhoria das condições de vida da população. O segredo é ancorar a força política nesse sucesso, sendo mais importante o olho na sociedade do que o olho no Congresso. Nesse sentido, é comum o presidente da República cometer o erro de submeter excesso de propostas de leis ao Congresso que, para aprová-las, cobra faturas políticas elevadas. Deve-se restringir o envio apenas às necessárias para viabilizar as ações de governo, aproveitando melhor as leis já existentes.
Reformas. Parece que os candidatos não irão tentar reformas sem chances de passar no Congresso por absoluta falta de maioria de 3/5 nas votações nas duas Casas Legislativas, como a tributária, previdenciária e trabalhista. O desgaste político é imenso e o fracasso garantido. São viáveis propostas de alterações pontuais infraconstitucionais, que exigem para aprovação maioria absoluta ou relativa.
Recursos. Quanto à ampliação dos recursos para governar tem-se, entre outras, quatro boas fontes: a) o crescimento econômico, a mais potente fonte. Por ele, sobe proporcionalmente a arrecadação e ainda tem a ajuda da redução da inadimplência e da sonegação; b) os sistemas inteligentes de controles fiscais, em fase avançada de implantação, como a nota fiscal eletrônica e o sistema de escrituração digital dos livros contábeis, contribuem para reduzir sonegação; c) a produção e exploração do petróleo, com ganhos crescentes; e d) a redução de despesas com juros, que consomem mais de 5% do PIB e podem cair para 2% sem grande esforço. Basta baixar a Selic, que não tem poder de controlar a inflação devido ao seu elevado nível, que desestimula mais a oferta do que a demanda. Essa taxa anômala será muito útil na racionalização das despesas. É uma herança bendita que o presidente deixará a quem o suceder.
Assim, com toda certeza, a partir de 2011 assistiremos crescimentos expressivos na arrecadação pública (União, Estados e Municípios). É bom ressaltar que, excluindo a Previdência Social, 3/4 das despesas com a área social são feitas pelos Estados e Municípios devido às determinações constitucionais. E os recursos dessas esferas de governo virão fundamentalmente do crescimento econômico e do aprimoramento da gestão tributária, pois são recursos vinculados à arrecadação de impostos.
Despesas. Sob o aspecto fiscal, a estratégia de ampliação de receitas é muito mais potente do que eventual redução de despesas, devido aos condicionantes de ordem legal. No entanto, é fundamental que as despesas sejam racionalizadas e priorizadas para fortalecer a amplitude da ação governamental na área social e na infraestrutura. Tem-se um bom espaço para isso. Propostas de redução de despesas nas transferências de renda como salário mínimo e Bolsa-Família, para sobrar dinheiro para investimentos, não têm chances, nem razão de prosperar. A ampliação dessas transferências catalisam poderosos estímulos à economia.
Inflação. Prevejo inflação em queda nos próximos anos, o que tornaria possível reduzir a meta de inflação, a partir de 2011 ou 2012, para 4%. Isso se deve a fatores externos e internos. No campo externo, prevê-se um longo processo de recuperação das economias desenvolvidas, gerando mais oferta do que demanda por bens e serviços, o que causa estabilização/redução dos preços. No campo interno, continuaremos a observar aumento da oferta pela elevação da produção em decorrência do boom de investimentos em curso, atraídos pela firme expansão do consumo.
Crescimento. O crescimento econômico poderá ficar no nível de 6% por vários anos, caso continue a política de estímulo ao consumo das camadas de renda média e baixa e o governo use uma nova política em relação à redução das taxas de juros ao tomador final. Para isso, deveria dar continuidade à ação das instituições oficiais de crédito, que reduziram juros e ampliaram a oferta de financiamentos. A mera redução da Selic obriga o setor bancário privado a ampliar a oferta de crédito a taxas mais competitivas. Hoje os bancos podem se dar ao luxo de manter as taxas de juros elevadas devido aos bons ganhos alternativos propiciados pela Selic. Outro bom empurrão na direção da redução dos juros ao tomador é dosar as regras de depósito compulsório de acordo com as taxas de juros cobradas pelos bancos. Não faltam políticas para redução dos juros bancários. Falta fazê-las e isso só depende de decisão do Conselho Monetário Nacional.
Investimento x Consumo. O próximo governo provavelmente não irá se enredar na falsa questão da oposição entre consumo e investimento. O primeiro induz o segundo e o segundo atende à expansão do primeiro e ambos contribuem para a elevação do PIB, fortalecem a concorrência, estimulam a inovação e criam custos marginais menores para ampliar o poder competitivo de nossas empresas para a geração de fortes superávits na balança comercial. A visão sistêmica e dinâmica do comportamento das variáveis macroeconômicas já superou a visão estática de algumas análises simplistas, do tipo se crescer aqui tem que decrescer ali.
Desenvolvimento e crescimento. O desenvolvimento não deve se confundir com o crescimento econômico. Ele deve considerar nosso patrimônio ecológico e cultural, as dimensões sociais, políticas e ambientais envolvendo a interação desses aspectos com foco no desenvolvimento da dimensão humana das atuais e futuras gerações. O crescimento econômico, isoladamente, não é capaz de gerar automaticamente o desenvolvimento, caso não se enfrente as profundas desigualdades de renda que caracterizam historicamente o País.
Aproveitar o potencial. Embora seja imenso o potencial humano e material que o País possui, resta muito a fazer. Continua em cena uma classe política pouco compromissada com as aspirações básicas da população, uma política econômica aprisionada pela ênfase no monetarismo, uma política social de pequena amplitude e baixa qualidade, uma política ambiental incipiente e sempre em rota de colisão com os interesses econômicos, sem falar no agravamento da violência e do avanço do narcotráfico, inserido no panorama do crime organizado internacionalmente e que vitimiza especialmente as novas gerações.
Transformar esta realidade não é fácil e pressupõe que ocorra o aprofundamento da democracia social e política e o real engajamento e crescimento de forças voltadas para a defesa dos interesses da maioria da população. Assim, o principal condicionante do processo de desenvolvimento é antes de tudo político e social.
Por outro lado, as perspectivas nos parecem favoráveis para avançar mais alguns degraus rumo a um País mais justo, solidário, democrático e que saiba explorar o imenso potencial humano e material que dispomos.
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