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Por Paulo Eduardo Monteiro Vieira
Não é pouco dinheiro. Se colocado em malas como a transportada pelo deputado Rocha Loures (PMDB-PR), gravado em uma ação controlada pela Polícia Federal, daria para encher 2.800 delas. Ao longo dos últimos anos, a JBS confirmou o pagamento de R$ 1,4 bilhão em propinas, dinheiro que saiu do caixa da empresa para bancar políticos dos mais diversos escalões, estados e correntes ideológicas. Uma prática tão democrática que chegou a financiar o deputado Eduardo Cunha, que comandou o processo de impeachment da presidente Dilma, e ao mesmo tempo deputados para votar contra esse mesmo processo.
Tanto dinheiro assim não deveria passar batido pelos órgãos de controle. Sobretudo se considerarmos que a JBS é uma empresa de capital aberto com ações na bolsa. Algo bem diferente da Odebrecht, que por ser uma empresa de capital fechado não precisa prestar contas com auditorias independentes das suas movimentações e muito menos seguir padrões de compliance (conformidade com leis e regras internas e externas) rigorosos. Afinal, o dinheiro da JBS não pertence só aos irmãos Batista. Joesley e Wesley são sócios de milhares de pequenos investidores (29,41% da empresa), da Caixa Econômica Federal (4,92%) e de todos os brasileiros via recursos do tesouro que fomentam o BNDES (21,32%).
Como forma de proteger os investidores, uma série de exigências é posta às empresas nesse mercado. Uma delas é a escolha de auditoria independente. Uma empresa contratada pela companhia interessada em abrir capital e que deve usufruir de liberdade para escrutinar a contabilidade e as práticas do negócio.
São com essas informações que pessoas físicas, fundos de pensões e até outras empresas definem seus investimentos, podendo avaliar se a empresa está endividada, se oferece riscos ambientais que poderiam gerar indenizações que descapitalizariam o negócio e por consequência desvalorizariam suas ações. Sem essas informações os investidores não teriam como mensurar o risco a que estão expondo seu dinheiro.
Mesmo desempenhando um papel estratégico para quem opera na bolsa, a saída de dinheiro para a corrupção passou batida nos relatórios das auditorias independentes contratadas pela JBS. Ou, pelo menos, não mereceu explicitação maior no relatório da empresa. Informações dadas pelo executivo Ricardo Saud em seu depoimento a Lava Jato mostram um dos caminhos para disfarçar essa saída de dinheiro da contabilidade. Usando notas frias de escritórios de advocacia e contratos de consultoria em Comunicação e serviços, o dinheiro chegava às mãos dos políticos amigos. Mais de cem escritórios de advocacia foram usados para essa prática.
Sobre apenas um desses pagamentos mascarados com notas frias, Saud disse: “Fizemos um repasse de R$ 300 mil. Começamos em julho, agosto e uns dez meses”, revelando uma habitualidade nos desembolsos.
A reportagem da Gazeta do Povo procurou a companhia. Em nota, enviada pela J&F, se limitou a informar que “os atos cometidos pelos executivos foram informados à PGR e estão nos autos da delação homologada pelo STF”.
A nota, contudo, não responde ao questionamento sobre quais artifícios usou para que essas práticas não fossem detectadas ou citadas pela auditoria.
A BDO RCS, consultoria que aparece como responsável por auditorias para a JBS, em documento datado de março deste ano (páginas 37 e 39) referente aos números de 2016 da companhia dos irmãos Batista, chega a mencionar as “notícias veiculadas pela mídia envolvendo empresas do grupo e seus acionistas e controladores”.
Sobre isso a BDO exprime quais procedimentos adotou: “Acompanhamento do desmembramento e andamento destas investigações com representações da Companhia sobre o assunto; Avaliação nos controles internos da Companhia quanto a pagamentos, bem como inspeção documental, por meio de amostragem; Representação dos assessores jurídicos internos da Companhia, sobre o contexto e extensão do envolvimento dos investigados e de empresas relacionadas”.
No mesmo relatório a auditoria chegou a comparar o risco de erro em sua análise em relação ao risco provocado por fraudes.
“O risco de não detecção de distorção relevante resultante de fraude é maior do que o proveniente de erro, já que a fraude pode envolver o ato de burlar os controles internos, conluio, falsificação, omissão ou representações falsas intencionais”.
E diz que informou a empresa sobre isso: “Comunicamo-nos com os responsáveis pela governança a respeito, entre outros aspectos, do alcance planejado, da época da auditoria e das constatações significativas de auditoria, inclusive as eventuais deficiências significativas nos controles internos que identificamos durante nossos trabalhos.”
Mas apesar do documento disponibilizado para acionistas a empresa, que em 31 de dezembro de 2016 apresentava em sua carteira 49 companhias registradas na CVM, informou que por se tratar de assunto referente a um cliente da empresa, não poderia se manifestar à reportagem. Também não quis comentar sobre quais métodos poderiam ter disfarçado para a auditoria o dinheiro que saiu irregularmente. Sobre um possível abalo à credibilidade da própria BDO, que audita os números da JBS, a assessoria não respondeu o questionamento da Gazeta do Povo.
A Comissão de Valores Mobiliários chegou a abrir entre os dias 18 e 19 de maio cinco processos administrativos para apurar as práticas do Grupo JBS na véspera da publicação das delações dos irmãos Batista. São processos relativos à atuação no mercado de dólar, negociações de ações da companhia e de derivativos pelo Banco Original, pertencente ao grupo. Mas nada ainda foi divulgado relativo ao trabalho das auditorias que atenderam a empresa ao longo dos últimos anos e que são responsáveis por atestar aos milhares de investidores a saúde e as práticas condizentes com as regras de mercado.
Em um segmento que preza pelo rigor de apuração, por que o risco de fraude por parte do próprio cliente seria mencionado em seu relatório?
Conversamos com profissionais que atuam no segmento. Eles admitem que é uma prática usual fazer esse tipo de observação. E apontam para a dificuldade em detectar irregularidades em alguns tipos de serviço. “Advocacia é uma coisa muito difícil de comparar. O parecer de um advogado pode custar até dez vezes mais que a de outro. O auditor pode até suspeitar, mas não consegue comprovar pela profundidade da operação. Testes de auditoria têm o seu limite, disse um deles.”
Outra dificuldade é a proporção do erro em empresas tão grandes. Apesar de chegar a 1,4 bilhão de reais, a propina mascarada em contratos de serviços e paga ao longo de uma década representa pouco se comparado ao faturamento registrado só em 2014, quando a empresa somou uma receita consolidada de 120 bilhões de reais e foi a primeira do país nesse quesito, superando gigantes como Petrobrás e Vale. Para os auditores ouvidos pela reportagem, essa ordem de grandeza também tira a atenção de fatos que parecem coerentes para o tamanho da operação.
Mesmo que não haja envolvimento da auditoria em eventuais acobertamentos, a CVM possui normas que permitem punir essas empresas em casos de falhas. Normas internas baseadas no artigo 11 da lei 6.365 preveem que “caso sejam identificados indícios de desvios cometidos na execução dos trabalhos de auditoria, poderão ser solicitados, por ofício, esclarecimentos aos auditores. Nos casos em que os esclarecimentos não afastarem os indícios, serão emitidos ofícios de alerta ou instaurados Processos Administrativos Sancionadores para a apuração das responsabilidades.” Segundo a CVM “no último biênio (2015 e 2016) foram desenvolvidas 198 análises referentes à atuação dos auditores independentes, que resultaram em 107 ações sancionadoras (76 Ofícios de Alerta e 31 Termos de Acusação)”.
Apesar dessas exigências e da fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, para Evandro Guimarães, ex-executivo de grandes empresas no Brasil e que já presidiu o ETCO, Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, nada disso é suficiente para dar ao mercado brasileiro o nível de confiança que os investidores merecem.
“Compliance no Brasil, mal está começando. As empresas têm mais como uma ferramenta de marketing. O compliance tem de comprometer a alta direção da empresa. E o que a gente está vendo no mundo empresarial é que a alta direção não se compromete com nada.” Sobre o comprometimento com informações transparentes vindas dos auditores independentes, ele é cético.
“Ainda há muita frouxidão nos institutos de auditoria. E há uma contaminação por interesses financeiros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal das empresas.”
Para o executivo, é um equívoco esperar que o trabalho das auditorias solucione esses desvios. “As empresas de auditoria não são as fiscais. Os fiscais são a Receita Federal, os conselhos de administração. Ela é uma empresa de prestação de serviço que se preocupa em atestar uma certa coerência nos números.”
Evandro também não vê caminho para punição de quem errou ou falhou em fiscalizar. Já que as leis em um mercado tão concentrado são redigidas sob a influência dessas grandes companhias. “Não tem exigência consistente alguma. Que seria a punição feroz de quem comete crimes. Nós estamos na pré-história desse negócio. As grandes empresas conseguem transformar em leis seus desvios”, diz.
http://www.gazetadopovo.com.br/ideias/como-anos-de-corrupcao-passar...;
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