Passava um pouco das 10 horas da manhã da terça-feira 31, quando funcionários públicos federais, em greve por aumento salarial, promoveram uma manifestação que chegou a obstruir o acesso à entrada principal do Ministério da Fazenda, em Brasília. No interior do prédio, enquanto o ministro Guido Mantega se reunia com representantes da indústria automobilística, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, mostrava os números das contas públicas do primeiro semestre. O superávit primário do governo central – União, Banco Central e Previdência – caiu em junho para 2% do PIB. Há um ano, essa proporção era de 2,8%. O superávit é a economia feita pelo governo para o pagamento de juros de suas dívidas.
Augustin, do Tesouro: "vamos cumprir a meta cheia com tranquilidade".
É a ‘sobra’ de receitas menos despesas. Essa gordura, entretanto, começa a escassear. A arrecadação do governo já cresce num ritmo bem mais moderado, em comparação aos primeiros meses do ano. Mesmo com esse cenário, o governo estuda novas desonerações tributárias para estimular a atividade econômica, e ainda promete aumentar os investimentos e cumprir a meta de um superávit primário de 3,1% do PIB, que inclui também a arrecadação de Estados e municípios. A pergunta é: dá para fazer tudo, ao mesmo tempo? Na visão do governo, sim. Na avaliação de especialistas em contas públicas, porém, vai ser preciso fazer escolhas para fechar essa conta. Em janeiro, o governo registrou um crescimento de 4,77% na arrecadação.
Mas a perda de ritmo da economia, aliada aos incentivos fiscais para alguns setores, mudou a curva, e em junho o crescimento em relação a 2011 foi de apenas 3,04%. “Não vai dar para fazer superávit e aumentar os investimentos ao mesmo tempo”, afirma o economista Mansueto de Almeida Júnior, especialista em finanças públicas. A piora na expectativa de receita já fez, inclusive, o governo rever oficialmente as suas contas. O relatório entregue, no final de julho, pelo Ministério do Planejamento ao Congresso, mostra que a arrecadação de impostos deve ser R$ 13 bilhões menor do que a projetada inicialmente. No total, a receita do governo deve chegar a R$ 1,1trilhão. É certo que a perda da arrecadação será, em parte, compensada pelo aumento nas receitas de dividendos pagos pelas estatais e das contribuições à Previdência, com o aumento do emprego formal e dos salários.
O problema é que, quando instituições como a Caixa e o BNDES pagam mais dividendos ao governo, ficam com menos recursos para investir. O economista Felipe Salto, da consultoria Tendências, avalia que, na hora de escolher qual lado cobrir com o cobertor mais curto, o governo vai privilegiar o da credibilidade com o mercado. “Neste ano o governo cumpre a meta de superávit”, diz Salto. “Mas, para isso, vai abrir mão dos investimentos.” Uma das maneiras de elevá-los é incluir nessa categoria os subsídios concedidos ao programa habitacional Minha Casa Minha Vida, que até o ano passado eram classificados como custeio, uma manobra artificial que acaba por arranhar a credibilidade do governo. Nas próximas semanas, a presidenta Dilma Rousseff deve anunciar as novas regras para concessões à iniciativa privada de portos, aeroportos, ferrovias e rodovias, o que deve elevar os recursos aplicados em infraestrutura.
O problema é que, embora venham do setor produtivo, os investimentos em questão serão ao menos parcialmente financiados pelo BNDES, com juros subsidiados e custo para o próprio Tesouro. Só depois de definir o volume de recursos necessários para viabilizar essas concessões é que o governo vai decidir se de fato cumprirá o superávit primário de 3,1% (incluindo Estados e municípios) do PIB. “Vamos cumprir a meta cheia, com tranqüilidade”, diz Augustin. “Estamos trabalhando para isso.” A favor do governo, está a queda dos juros básicos, que barateia o custo da dívida, e poderia acomodar um superávit menor. A dúvida é se, com a mudança da meta, o governo consegue manter a credibilidade, que é um dos pilares do atual ciclo de juros baixos.
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