Contabilidade digital versus tradicional e outras questões tributárias

Por Mary Elbe Queiroz e Antonio Elmo Queiroz

Com a abrangência atual das declarações eletrônicas para fisco, questões antigas são revisitadas sob a nova realidade tecnológica; como no caso abaixo, que tratou de uma autuação com arbitramento do lucro, fundado na imprestabilidade da contabilidade de uma pessoa jurídica.

É que um contribuinte transmitiu sua Escrituração Contábil Digital (ECD), mas pleiteou, para uma fiscalização do fisco federal, que considerasse apenas a contabilidade tradicional e não as informações digitais, “tendo em vista que estes arquivos não representam corretamente a escrituração contábil da empresa à época”.

O fisco não atendeu o pedido, alegando que seria uma análise em contabilidade paralela, já que, para fins legais, a contabilidade é a transmitida via SPED; e procedeu ao arbitramento, “uma vez que a própria empresa afirmou que a contabilidade transmitida via SPED não representa corretamente a sua escrituração contábil, conclui-se que a forma correta de se proceder à apuração do lucro da empresa no período não pode ser evidentemente a adoção de uma contabilidade paralela, e sim o arbitramento do lucro da empresa conforme previsto no artigo 530, inciso II, do Decreto n° 3000, de 26/03/99”.

Apreciando o recurso, Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais julgou, por unanimidade, que, mesmo com o SPED, continua sendo necessário que o fisco comprove defeitos na contabilidade, não cabendo fixar a imprestabilidade da escrita apenas pela existência de vícios na ECD; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 1201-001.227 (publicado em 06.01.2016)

LUCRO ARBITRADO.

Incabível o lançamento do IRPJ mediante arbitramento do lucro quando a autoridade tributária não demonstrar que os vícios, erros ou deficiências contidos na escrituração contábil do sujeito passivo a torna imprestável para identificar a movimentação financeira da empresa ou para determinar o lucro real.

Voto (...)

Durante a ação fiscal a fiscalizada informou haver apresentado a escrituração contábil digital (ECD) via sistema público de escrituração digital (SPED). Posteriormente, solicitou à autoridade fiscal que considerasse em seus trabalhos de auditoria a escrituração a ele apresentada, uma vez que os arquivos enviados ao SPED não representariam corretamente a escrituração contábil da empresa.

A autoridade, entretanto, não atendeu a solicitação da contribuinte. Argumentou que a escrituração enviada ao SPED e regularmente autenticada pela Junta Comercial do Estado de Minas Gerais, é aquela que produz efeitos legais. (...)

Ocorre que a confissão de que os arquivos transmitidos ao SPED não representam corretamente a escrituração da empresa não autoriza concluir-se que, necessariamente, essa escrituração seja imprestável para identificar a efetiva movimentação financeira ou para determinar o lucro real. (...)

Assim, não comprovada a imprestabilidade da escrita enviada ao SPED, cai por terra o arbitramento do lucro.


Provas e questões em recurso especial
Buscando superar divergência interna do Carf, um contribuinte interpôs um recurso especial dirigido à Câmara Superior de Recursos Fiscais. Porém, foi negado seguimento ao recurso porque não teria havido a indispensável apresentação de julgados com conclusões díspares sobre uma mesma questão jurídica, mas apenas diferença na apreciação de provas de cada caso.

Irresignado, o contribuinte impetrou mandado de segurança apontando haver divergência, pois, por participação em uma mesma operação societária, no seu caso o Carf manteve a multa qualificada de 150% e, no caso apresentado como paradigma, a multa foi reduzida para 75%.

No primeiro grau foi negada a liminar, já que, “não obstante se tratar da mesma operação societária, os acórdãos confrontados estão delineados por premissas fáticas distintas quanto à existência ou não de intuito de fraude por parte dos sujeitos passivos das obrigações tributárias, daí porque o não reconhecimento da divergência apontada pela Autora”.

Contudo, no recurso para o segundo grau, decisão monocrática no TRF da 1ª Região supera a dicotomia entre prova e questão jurídica para REsp, considerando que, se ante autuações com similitude fática e atuação idêntica, dois acórdãos chegam a conclusões diferentes sobre o enquadramento, resta caracterizada uma divergência jurídica suficiente para dar seguimento a REsp; assim fundamentado:

Agravo de Instrumento nº 0050717-26.2015.4.01.0000 (publicado em 12.01.2016)

Na espécie, pelo que se depreende da análise dos autos, a agravante, sucessora da empresa “AA” e a empresa BB participaram de forma idêntica da “reestruturação societária” da empresa “CC”, mas seus recursos na via administrativa obtiveram conclusões jurídicas divergentes, uma vez que a Primeira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes entendeu que na operação de “reestruturação societária” da empresa “CC” estaria configurado o intuito de fraude tributária e a Oitava Câmara entendeu que estaria configurada a elisão fiscal.

Assim, pode-se afirmar que a Primeira e a Oitava Câmaras do Primeiro Conselho de Contribuintes deram à lei tributária interpretação divergente para o mesmo caso concreto, no qual as empresas envolvidas, além de atuarem de forma idêntica, foram autuadas pela mesma fiscalização, como pode ser comprovado pela análise dos Termos de Verificação Fiscal de fls. 58/121 e 265/328.

Dessa forma, tendo em vista a completa e inequívoca similitude fática entre os acórdãos em questão e a evidente divergência jurisprudencial, o recurso especial da agravante deve ser admitido, nos termos do que dispõe o artigo 37, § 2º, II, do Decreto-Lei 70.235/72.


Decisões variadas
a) No Acórdão 1301-001.867 (publicado em 06.01.2016), apreciada multa por atraso na entrega de arquivos digitais para fiscalização. E Turma do Carf, por unanimidade, afastou a multa porque existe norma sancionadora para apresentação dos arquivos sem a forma prevista (art. 12, I, da Lei 8.218/91) e para arquivos entregues com atraso (art. 12, III, da Lei 8.218/91); mas, incidindo o contribuinte nas duas hipóteses, não poderia haver cumulação e nem aplicação da multa mais gravosa; assim ementado: “na circunstância em que são detectadas diversidades de condutas, isoladamente passíveis de aplicação de sanção específica, mas que, consideradas conjuntamente, não se identifica previsão na lei acerca da penalidade a ser aplicada, resta evidenciada situação capaz de atrair a interpretação mais favorável a que faz referência o art. 112 do Código Tributário Nacional”.

b) No Parecerz 1.657/15 (publicado em 23.11.2015), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional examinou a viabilidade de uma conciliação entre uma empresa pública e a Receita Federal, tendo por objeto autuação de contribuição previdenciária. Porém, o Parecer conclui não ser possível a conciliação, tendo em vista o Carf ter julgado o caso, decisão que teria natureza materialmente judicante, já que não há autoridade hierarquicamente superior que possa rever o mérito. Assim arrematando: “iii) acórdão de mérito proferido pelo CARF não pode ser revisto em sede de Câmara de Conciliação, por ferir os princípios e regras que norteiam o controle hierárquico da Administração Pública; iv) a revisão do lançamento tributário compete à autoridade que o lavrou ou ao órgão colegiado competente, nos termos do art. 142, do CTN, impedindo que a sua revisão ocorra no âmbito da CCAF”.

Fonte: Conjur

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Comentário de celso ramos em 18 janeiro 2016 às 15:38

Eu continuo achando que os Governos ao adotarem o SPED, se esqueceram dos rolos, dificuldades que o Sistema traria, num modelo TRIBUTÁRIO FALIDO.

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