quinta-feira, 19 de novembro de 2009
O Globo

:: Carlos Alberto Sardenberg

Dia desses, chego a um restaurante de São Paulo, de alto prestígio, justo pela sua combinação rara de boa comida e astral elevado. A casa estava cheia, como sempre, mas o chef, criador e dono não estava numa boa. Foi logo falando de uma notícia do dia, a de que fiscais sanitários haviam apanhado um matadouro clandestino que fornecia carne de cachorro para um restaurante que atendia a comunidade coreana.

Tudo ilegal, ação correta, portanto.

— É mesmo? — comentou o nosso chef. — E você viu por quanto tempo o matadouro e o restaurante funcionaram? Três anos! Pois é, demoraram, mas pegaram, alguém comentou.

O chef esperava mesmo essa dica: “E você sabe quantas vezes os fiscais vêm aqui? Duas vezes por mês! Para encrencar com o tamanho da pia!” Os fiscais aparecem em horário de movimento, vigiam os mínimos detalhes, amparados em legislação que estabelece normas tão minuciosas que sempre é possível apanhar ou encrencar com alguma coisa.

Mas demoram três anos para descobrir um matadouro de cachorros conhecido por muita gente no bairro.

Isso é Custo Brasil. Quem está legal sofre a “fiscalização rigorosa”, o ilegal vai levando.

Conversa vai, conversa vem, alguém contou que, em um outro restaurante de São Paulo, igualmente badalado, a polícia apareceu uma noite com duas viaturas e agentes para apurar uma denúncia de barulho excessivo. Não era música, mas aquele ruído de conversa de festa.

Ok, há restrições em bairro residencial.

Agora, quem estiver em São Paulo pode fazer o teste: tente ligar para o telefone do “Psiu” e reclamar de um barulho na vizinhança, digamos, comum. Eu mesmo já tentei. É difícil completar a ligação e, mesmo completando, não aparece nem um guarda de bicicleta.

Esse Custo Brasil está espalhado por toda a atividade econômica. A legalização é cara, a fiscalização, pesada. O formal está tão pressionado que torna o informal mais vantajoso. E, toda vez que há um problema, a tendência é detalhar ainda mais a legislação.

Tome-se o caso das farmácias.

Sabe-se que muitas delas vendem remédios controlados sem receita.

É ilegal. Ora, o que faz a Anvisa? Resolve restringir e dificultar a venda legal de remédios que não precisam de receita.

A carga tributária no Brasil alcança o equivalente a 37% do Produto Interno Bruto, contra algo como 25% nos países emergentes parecidos.

Isso é Custo Brasil. Mas, além disso, há o custo de administrar a vida tributária de uma empresa.

Pesquisa do IOB mostra que, de janeiro a setembro deste ano, a legislação tributária sofreu 742 alterações.

No total, considerando as três instâncias de governo, são cinco mil normas regulando 79 tributos.

É difícil calcular, mas há estimativas indicando que as empresas e pessoas têm um custo equivalente a mais 2% do PIB para manter em dia suas obrigações tributárias e para discutir com o fisco.

Jorge Gerdau Johanpetter conta que sua multinacional produz aço em 13 países. No Canadá, conta, um funcionário cuida das questões tributárias.

No Brasil, um departamento inteiro para discutir tudo com a Receita. E só no Brasil a Gerdau tem contenciosos trabalhistas. E olhem que se trata de empresa com o selo da responsabilidade social.

E a reforma tributária? Vaga por aí.

Nesta semana, o ministro Guido Mantega comentou que, com o dólar a R$ 2,60, a indústria brasileira ganharia tanta competitividade que seria imbatível na exportação.

Ora, se a indústria pagasse 25% de imposto, se o sistema fosse simples e se o governo pagasse o que deve aos exportadores, também ganharia eficiência. Mas fica todo mundo discutindo o dólar, cuja cotação depende de fatores complexos, nacionais e internacionais, em vez de tentar a reforma tributária, que só depende da gente.

Talvez o problema seja exatamente esse, só depende da gente.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. E-mail: sardenberg@cbn.com.br.

http://corecon-rj.blogspot.com/2009/11/o-globo_9897.html

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