Disputas judiciais sem provisão somam mais de R$ 50 bilhões

Contabilidade: Montante está previsto nas notas explicativas das dez maiores empresas abertas do país, sendo a perda considerada possível, mas não provável.

Por Fernando Torres, de São Paulo
01/02/2010


Se tudo desse errado ao mesmo tempo para as dez maiores empresas brasileiras de capital aberto nos tribunais, elas teriam que lidar com um rombo de R$ 50 bilhões nos balanços. Esse é o valor das contingências que essas companhias classificam como de perda possível em disputas judiciais e para as quais não há reserva para pagamento em caso de insucesso. O montante supera o total de R$ 32,9 bilhões ligados a processos considerados de perda provável, para os quais há provisões nos balanços.

A Petrobras lidera a lista, com R$ 22,5 bilhões em litígios sem provisão ao fim de setembro, segundo notas explicativas do balanço da empresa. Itaú Unibanco, AmBev, Banco do Brasil e Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) têm cerca de R$ 5 bilhões cada uma na mesma condição.

A princípio, ao agir dessa maneira, as empresas cumprem fielmente o que está previsto na regulamentação contábil. Pelas normas, as empresas precisam provisionar as perdas consideradas prováveis e apenas mencionar em notas explicativas as possíveis. No caso das perdas avaliadas como remotas, não há necessidade nem de menção nas demonstrações de resultado.

Porém, não é raro que perdas tidas como possíveis nas notas virem, da noite para o dia, obrigações certas para as empresas e surpreendam os investidores. Às vezes, as companhias divulgam perdas em volumes bem maiores do que os informados como possíveis nas notas explicativas ou perdas nem sequer mencionadas nas demonstrações financeiras.

Considerando casos recentes, o mais emblemático é o da Brasil Telecom, que informou neste mês que terá que fazer uma provisão adicional de R$ 1,3 bilhão por conta de processos ligados a planos de expansão e que correm em tribunais especialmente do Rio Grande do Sul. O argumento foi que o número de processos com trânsito em julgado era maior que o verificado antes, o que significa mais despesa para a empresa e, portanto, necessidade de maior provisão.

As notas explicativas do terceiro trimestre da operadora de telefonia apontavam perda possível, e não provável, de metade desse valor, ou R$ 591 milhões, com processos ligados a plano de expansão e que já tinham alguma decisão judicial vinculada. Outros R$ 683 milhões apareciam, também como possíveis, mas em processos diversos sem nenhuma decisão judicial. Não há no texto nenhuma menção à existência de uma auditoria específica sobre o caso, que estava sendo feito pela BDO. Responsável pelo parecer do balanço da BrT, a Deloitte não fez nenhuma ressalva ou ênfase. Procurada, a auditoria disse que não se manifestaria.

Mas o caso da Brasil Telecom não é o único. A Sabesp republicou na semana passada o balanço de 2008 reconhecendo uma provisão de R$ 409 milhões referente a um montante que entende ter a receber do governo de São Paulo. Esse valor constava de notas explicativas e também de uma ressalva da PricewaterhouseCoopers (PwC), que avaliava que a provisão já deveria ter sido feita. Na republicação das contas, a Sabesp também fez uma provisão de R$ 535 milhões que não era mencionada nem como possível até então. O valor decorre de ela ter assumido que continuará fazendo os pagamentos que ela entende ser de responsabilidade do governo.

Em 23 de outubro passado, a Petrobras disse que fechou acordo com o governo do Rio e com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) para encerrar uma disputa envolvendo participações especiais do Campo de Marlim. A perda reconhecida foi de R$ 2,06 bilhões, abaixo do montante da causa, que era de R$ 3,4 bilhões. Dois meses antes, ao apresentar seu balanço do segundo trimestre, a Petrobras havia classificado a perda nessa disputa apenas como possível, sem provisão. Quando fez essa classificação, a estatal já havia perdido em primeira instância. Nesse meio tempo, no dia 30 de setembro, a empresa teve a segunda derrota e acabou optando pelo acordo.

A questão que se coloca nesses casos é que a diferença de tempo para reconhecimento de uma provisão ou de uma obrigação pode transferir riqueza de um acionista a outro. Em caso de demora no reconhecimento da perda, os acionistas que deixaram a empresa antes se beneficiam. Se for o contrário, aquele que entrar mais tarde na empresa, quando uma provisão excessiva for revertida, acaba sendo favorecido.

Na opinião de Edison C. Fernandes, do escritório Fernandes, Figueiredo Advogados, "se a Petrobras fez acordo, é porque ela imaginava que a chance de perder era grande", o que significa que já deveria haver reserva no balanço para esse pagamento. "O requisito de probabilidade de acontecer já existia", afirma. Apesar de apontar essa questão, o advogado acha difícil responsabilizar os sócios antigos da estatal sobre esse caso.

Já em relação ao episódio da Brasil Telecom, ele considera que seria possível estudar alguma medida, já que os antigos controladores já estão fora do negócio. "A Lei das S.A. diz que a administração é responsável pelos lucros distribuídos a mais ou a menos", afirma.

Esse tipo de polêmica vai existir sempre no mercado, porque prever o sucesso ou não de uma causa judicial vai depender sempre do julgamento da empresa e dos seus advogados. Trata-se de uma avaliação com certa subjetividade.

E, mesmo que isso não tenha o poder de acabar com os riscos de surpresa, os especialistas destacam que cabe também ao auditor ter cuidado ao avaliar se a classificação feita pela companhia parece adequada. Ou seja, mesmo que contingência jurídica não seja sua especialidade, ele não deve simplesmente lavar as mãos. "O auditor tem que avaliar e criticar se está razoável, se tem jurisprudência. Tem assuntos que são clássicos e, se vem um posicionamento discrepante, o auditor deve discutir isso com advogado", afirma André Viola Ferreira, sócio da Terco Grant Thornton.

Segundo o advogado Thiago Giantomassi, sócio do Demarest e Almeida, é preciso deixar claro que a obrigação primeira de fazer constar da demonstração financeira uma informação correta e atualizada é do administrador. "O advogado tem a obrigação de descrever a ação e quais as chances de êxito. O auditor, com base nessas informações, dá sua opinião, mas sempre com espírito crítico, que é da natureza do seu trabalho", afirma.



Formulário deve dar mais transparência a processos


Novidades do mercado de capitais brasileiro, que passaram a valer neste ano, podem trazer mudanças em termos de transparência e classificação das contingências das empresas.

O Formulário de Referência, por exemplo, que terá preenchimento obrigatório pelas companhias abertas, pede que as empresas informem com detalhes os processos judiciais em que sejam parte e que julguem relevantes, incluindo os considerados de perda remota.

Atualmente, as empresas só precisam divulgar informações sobre processos que julguem de perda provável ou possível.

A relevância da causa deve ser considerada também em conjunto, no caso de haver vários pequenos processos sobre o mesmo tema que, no total, representem uma soma expressiva.

O formulário pede ainda que a empresa dê detalhes sobre cada um dos processos, o que nem sempre aparece nas notas explicativas sobre as contingências.

A empresa terá de divulgar as partes do processo, instância em que está o caso, data de instauração, chance de perda, valor provisionado (se houver) e análise do impacto em caso de perda da disputa judicial.

"Se o formulário for bem preenchido pela empresa, talvez essas informações fiquem mais claras", afirma Edison C. Fernandes, do escritório Fernandes, Figueiredo.

Outra mudança que começa a valer em 2010 está ligada à adoção do pronunciamento contábil CPC 25, baseado no padrão internacional IFRS, que substitui a norma vigente até o ano passado, que consta da Deliberação nº 489 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), editada em 2005.

De forma geral, os especialistas consideram que o CPC 25 não difere muito do que dizia a regra anterior, mas Sérgio André Rocha, da BM&A Consultoria Tributária, espera que o pronunciamento reabra a discussão sobre o que deve ser classificado como uma obrigação legal. Para Rocha, a nova norma não é tão rígida nesse ponto.

Há grande polêmica entre advogados e auditores a respeito desse tema. Para os primeiros, nos casos em que há uma disputa judicial sobre o pagamento de um tributo, por exemplo, e a chance de derrota seja muito improvável, não deveria ser necessário fazer provisão.

Para ele, se uma nova lei diz que a empresa tem que pagar um tributo A e ela resolve questionar isso na Justiça, ela tem obrigação legal de fazer provisão. Mas se o plenário do Supremo Tribuno Federal (STF) torna pacífico um entendimento sobre uma disputa sobre a qual a empresa tem um litígio, ela poderia deixar de fazer provisão de perda para a causa devido a essa perspectiva favorável.

"E o auditor nos dizia nesses casos que não interessava se era remota a chance de perda. Só seria possível deixar de fazer a provisão se fosse praticamente certa a vitória, o que dependia de uma decisão com trânsito em julgado para a causa", afirma o especialista. (FT)


Fonte: Valor Econômico

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