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Apesar de ainda existir um longo caminho a percorrer, a adoção do padrão internacional de contabilidade (IFRS) pelas empresas brasileiras já está na pauta do dia. Trata-se de uma preocupação não somente do pessoal ligado à área contábil, mas de todos aqueles envolvidos com a situação econômico-financeira da empresa, especialmente advogados e profissionais das relações com investidores. Do outro lado, os reflexos da implementação dos IFRS também têm sido estudados pelos sócios (acionistas ou quotistas), investidores e pela Receita Federal do Brasil, sendo um ponto importante a distribuição de dividendos.
Lembre-se, desde logo, que o padrão internacional de contabilidade se caracteriza, principalmente, pela relevância do julgamento da administração, no que concerne ao reconhecimento, à mensuração e à divulgação das operações e dos eventos financeiros, pela busca do valor justo dos bens, direitos e obrigações e pela aproximação do resultado do exercício com a geração de caixa. Dessas características decorrem diversos lançamentos que impactam a apuração do lucro (ou do prejuízo) da empresa, dentre os quais se destacam: mudança no critério de depreciação dos bens do ativo imobilizado, inclusive com a estimativa do respectivo valor residual; ajuste a valor presente; avaliação de ativo biológico etc. Com relação aos aspectos societários e tributários do lucro apurado no contexto do IFRS, as questões são: qual a medida desse lucro que deve ser distribuída aos sócios obrigatoriamente e qual a medida desse lucro que estará isenta do imposto sobre a renda.
Do ponto de vista societário, conquanto a modificação da Lei nº 6.404, de 1976, trazida pela Lei nº 10.303, de 2001, que fortaleceu a regulamentação legal da governança corporativa, tenha aumentado os direitos patrimoniais dos sócios, especialmente dos minoritários, essa mesma alteração já garantiu, ao menos em parte, a saúde financeira das empresas. Nesse sentido, na composição do dividendo obrigatório foi ressalvada a parcela de lucros a realizar, desde que constituída a respectiva reserva. Em complemento, a alteração da lei societária promovida pela Lei nº 11.638, de 2007, redefiniu a reserva de lucros a realizar.
Uma questão a saber é qual medida do lucro deve ser distribuída obrigatoriamente
Atualmente, constituem a reserva de lucros a realizar o resultado líquido positivo da equivalência patrimonial e o lucro, rendimento ou ganho líquidos em operações ou contabilização de ativo e passivo pelo valor de mercado, cujo prazo de realização financeira ocorra após o término do exercício social seguinte. Em ambos os casos o que se tem é a geração de lucro sem a sua respectiva realização financeira, ou, em outras palavras, sem geração de caixa; o que ocorre no reconhecimento contábil, por exemplo, dos lucros gerados por subsidiária no exterior, pela mensuração de ativo biológico e pelo ajuste a valor presente. Dessa forma, a lei societária optou pela perpetuidade da empresa (preservação financeira) em detrimento dos direitos patrimoniais dos sócios (acionistas ou quotistas).
Do ponto de vista tributário, o Regime Tributário de Transição - RTT estabelece que os registros contábeis efetuados com base nos IFRS não devem ser considerados para fins de apuração dos tributos sobre a receita (Contribuição para o PIS e Cofins) e sobre o lucro (IRPJ e CSLL): trata-se da neutralidade tributária. Ocorre que essa neutralidade tem que ser bem analisada e bem definida: de acordo com a lei de regência, o RTT aplica-se à composição das receitas, dos custos e das despesas, ou seja, aos itens que constituem a apuração dos mencionados tributos. Dessa forma, a neutralidade do RTT não se aplica à matéria de ordem societária com implicação tributária, como são os casos da remuneração de juros sobre o capital próprio, da subcapitalização e da distribuição de dividendos isentos.
Esse entendimento parece ter sido corroborado pela Receita Federal do Brasil com a redação do Parecer Normativo nº 1. Nesse documento oficial, foi admitida a coexistência de duas despesas de depreciação, uma para efeito de determinação da base de cálculo dos tributos sobre o lucro e outra para efeito de determinação dos dividendos a serem distribuídos aos sócios. Como corolário necessário, tem-se que o lucro para efeito de tributação é apurado na forma do RTT, enquanto que, para efeito de distribuição de dividendos isentos do imposto sobre a renda, o lucro será apurado com a observância do padrão internacional de contabilidade.
Por Edison Carlos Fernandes
Fonte: Valor Econômico
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