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Incluído em: 11/01/2010
Opinião - Salézio Dagostim
Você já deve ter ouvido falar que os empresários precisam manter a escrituração contábil em forma digital (ECD), e que essa escrituração é armazenada em ambiente chamado Sistema Público de Escrituração Digital (Sped). O Sped será administrado pela Secretaria da Receita Federal, com participação das administrações tributárias dos municípios, dos estados e do Distrito Federal mediante convênio, bem como pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta e indireta que tenham atribuição legal de regulamentar, normatizar, controlar e fiscalizar os empresários e as sociedades empresariais.
É importante salientar que a não apresentação da ECD acarretará a aplicação de multa no valor de R$ 5 mil por mês-calendário ou fração. Algumas questões são levantadas então: por que os empresários devem ter os registros contábeis disponibilizados a terceiros sem a autorização prévia? Por que pagar multa por algo que não se deseja disponibilizar?
Disponibilizar as demonstrações contábeis não é a mesma coisa que disponibilizar os registros contábeis. Nos registros estão assentadas as “intimidades” da gestão, em que consistem e como foram executadas. Assim, o sigilo empresarial evidenciado nos registros contábeis se constitui elemento essencial à existência da empresa. Revelar fatos sigilosos sem autorização específica para isso por autoridade legalmente constituída e, ainda mais, divulgar assuntos não determinados, que merecem exame próprio, fere as normas de proteção do bem jurídico que é a empresa e a gestão empresarial.
Ter acesso às demonstrações contábeis é direito da sociedade para que ela saiba como se compõem os ativos, os passivos e os resultados das ações tomadas. A contabilidade revela como e de que forma os resultados foram gerados. Ela expõe a sua “intimidade”, ao passo que as demonstrações contábeis divulgam tão somente o saldo de suas contas, de suas ações. Uma pessoa jurídica sem contabilidade não existe, pois não possui o essencial, o “corpo”, que é representado pelas demonstrações contábeis, ficando inviabilizada, assim, a integração na sociedade.
Disponibilizar no Sped a escrituração contábil, e os seus usuários terem acesso a esse ambiente sem a autorização prévia da empresa fere os artigos 1.190 e 1.191 do Código Civil, os quais dizem: “Ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei”, “o juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência”.
Da mesma forma, o artigo 47 da Lei nº 8.981/95 possibilita ao empresário o arbitramento de seu lucro quando a pessoa jurídica, obrigada a tributar pelo Lucro Real, não possuir contabilidade ou Livro Razão. Assim, de acordo com a lei, o empresário não seria obrigado a disponibilizar a sua contabilidade se optar pelo arbitramento do lucro da empresa.
Portanto, obrigar que a empresa divulgue a sua escrituração contábil em um ambiente que é administrado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, sem autorização prévia do empresário e, ainda, aplicar multa de R$ 5 mil por mês pela não disponibilização dessa escrituração, é ferir os princípios fundamentais no que diz respeito à sua intimidade e individualidade, contidos nos incisos X e XII da Constituição Federal. Professor da Escola Brasileira de Contabilidade, é presidente da Confederação Nacional dos Contadores
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE
http://www.afisvec.org.br/noticia_det.php?id=12227
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