IFRS – O direito nas demonstrações financeiras

Por Edison Carlos Fernandes*

As alterações promovidas no capítulo das demonstrações financeiras da Lei das Sociedades por Ações, com a edição da Lei nº 11.638, de 2007, e da Lei nº 11.941, de 2009, fortaleceu a atenção às questões pertinentes à contabilidade. Dentre essas questões, houve o resgate da relação entre contabilidade e direito, solidificando o ambiente para o desenvolvimento do direito contábil no Brasil. Dada à (ainda) novidade do assunto, muitas dessas questões continuam sem uma solução definitiva.

 

Desde logo, pode-se citar a obrigatoriedade de observância das novas normas contábeis, fundadas no padrão internacional de demonstrações financeiras (International Financial Reporting Standards – IFRS), especialmente no sentido de se as sociedades limitadas devem respeitar os Pronunciamentos Técnicos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC. Essa definição é importante, dentre outras coisas, para garantir a avaliação de uma empresa (valuation) em eventual conflito de sócios, direito de retirada e apuração de haveres. Deve-se ter em mente que as demonstrações financeiras são, hoje, um valioso instrumento nas relações disciplinadas pelo direito societário.

 

Acontece que a utilidade da contabilidade não se limita aos negócios realizados entre os sócios – talvez, atualmente, o mais destacado bem jurídico protegido pelo direito contábil (e, de certa forma, tampouco se limita à apuração de tributos). O padrão internacional das demonstrações financeiras (IFRS) baseia-se em dois princípios que têm estreita relação com o direito: o julgamento e a prevalência da substância sobre a forma.

 

No primeiro caso, a prática e a forma de tomada de decisão do direito (julgamento) são adotadas para a tomada de decisões sobre os registros contábeis (reconhecimento, mensuração e divulgação); no segundo, as demonstrações financeiras buscam apresentar os eventos e as operações econômicas efetivamente ocorridas no mundo concreto, independentemente da relação jurídica formalizada, se adequada (substância econômica retratada na forma jurídica) ou não.

 

Em decorrência da adoção desses princípios, o bem jurídico protegido pelo direito contábil se amplia, extrapolando as relações societárias, sendo instrumento de defesa e de prova, praticamente, de todas as relações jurídicas da empresa, qualquer que seja a outra parte – stakeholder ou usuário da contabilidade. Nesse sentido, podem ser citados os seguintes casos: (i) garantia contratual: para o registro de bens no ativo imobilizado (fixo) não é mais necessário que exista o direito de propriedade (veja-se a situação do leasing); (ii) registro de dívida: a ausência do reconhecimento contábil de uma dívida, ainda que sub judice, pode propiciar maior distribuição de dividendos aos sócios, prejudicando o direito do credor, uma vez que a empresa desfaz-se, com essa distribuição, de recursos financeiros que poderiam assegurar o pagamento da mencionada dívida; (iii) cumprimento de covenants: contratos de empréstimo, normalmente, contêm cláusulas de desempenho ou de cumprimento de índices financeiros, cuja definição é influenciada de maneira decisiva pelos critérios contábeis adotados pela administração da empresa; (iv) concorrências públicas: o julgamento torna a contabilidade subjetiva (o que, em princípio, não é prejudicial, muito ao contrário), dificultando a comparabilidade entre os participantes de um processo licitatório.

 

Por essas e outras razões, é preciso que haja uma reformulação da legislação contábil brasileira, já que ela não está preparada para atender os diversos públicos, como é exemplo o artigo 1.190 do Código Civil, ao dispor: nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se a sociedade empresária observa, em seus livros, as formalidades prescritas em lei.

 

Em conclusão, quero engrossar o coro composto pelos professores Armando Luiz Rovai e Fabio Ulhoa Coelho, que se manifestaram neste mesmo espaço. É imperioso que se proceda a uma reformulação da legislação mercantil brasileira, de modo a consolidar as suas normas em um único e completo documento legal, evitando-se, assim, por um lado, as lacunas e as dúvidas sobre aplicação de determinada norma, e, por outro, as incoerências e os conflitos evidentes entre normas jurídicas comerciais. Com essa iniciativa, também será possível solidificar o direito contábil brasileiro.

 

*Edison Carlos Fernandes é advogado, doutor em direito pela PUC-SP e professor da Universidade Mackenzie e da FGV (GVLaw)

 

Fonte: Valor Econômico

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