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Por Vanessa Rahal Canado e Bernard Appy
No debate sobre política tributária, alguns analistas têm sugerido que a tributação do valor adicionado não seria compatível com o mundo digital, das novas tecnologias e dos intangíveis. A nosso ver, essa é uma avaliação equivocada.
A cobrança de Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) é a forma mais utilizada no mundo para a tributação do consumo. A taxação não cumulativa das operações de vendas de bens e serviços praticadas entre empresas até o consumidor final é, reconhecidamente, a forma mais eficiente de tributar o consumo. E isso não é significativamente alterado em razão do tipo de bem, serviço ou intangível consumido.
Simplificadamente, o IVA incide em duas situações distintas: nas operações entre empresas e nas vendas aos consumidores finais. Na primeira situação não há efetivamente tributação, pois o imposto cobrado da empresa vendedora gera um crédito equivalente para a empresa compradora. Neste caso, é melhor para as empresas haver tributação com geração de crédito do que não haver tributação, independentemente do que for transacionado entre elas – mercadorias, serviços ou softwares. Se uma empresa que vende eletrodomésticos utiliza serviços de cloud computing, ela deverá pagar o IVA quando da aquisição desse insumo, tomando crédito equivalente. A não incidência de IVA nessa operação não interessa à empresa, porque a impediria de tomar crédito, tornando cumulativa a incidência do imposto e aumentando o preço da geladeira vendida ao consumidor.
Resta avaliar a incidência do IVA nas vendas aos consumidores. As pessoas físicas podem consumir bens ou serviços, tangíveis ou intangíveis. Se esse consumo se der dentro do país, não há com o que se preocupar, pois a fiscalização das empresas vendedoras (inclusive as da nova economia) seguirá pelos meios tradicionais: faturamento, documentos fiscais emitidos, cruzamento de informações, etc.
Diferente é a importação direta por pessoas físicas. O controle aduaneiro é meio eficaz na fiscalização do IVA sobre bens corpóreos. Mas não serve à importação de serviços ou intangíveis. Esse desafio tem sido internacionalmente endereçado com a facilitação da inscrição do fornecedor externo como contribuinte no país de destino (a exemplo do Moss, da União Europeia). Recomenda-se, também, a assinatura de acordos de cooperação entre o país de origem (onde está o fornecedor) e o país de destino (onde está o consumidor). Adicionalmente, um caminho promissor é a utilização dos instrumentos de pagamento (como cartões de crédito) para a cobrança do IVA em operações de importação por consumidores finais.
Concretamente falando, a dificuldade de cobrança do IVA na nova economia restringe-se a uma situação específica, que é a importação de intangíveis por pessoas físicas. E há várias formas de equacionar essa dificuldade sem reinventar a roda.
É claro que o IVA precisa se modernizar através, entre outros, da utilização dos instrumentos de pagamento na cobrança do imposto. Mas é possível fazer isso sem abandonar suas principais características, que são a incidência sobre base ampla (na qual é irrelevante a distinção entre mercadorias, serviços e intangíveis), a não cumulatividade e a cobrança no destino.
O mais surpreendente é que alguns dos críticos da suposta obsolescência do IVA dão a entender que é melhor manter o regime atual, no qual estamos discutindo se softwares são bens incorpóreos ou serviços e se o download de músicas ou as assinaturas de aplicativos são tributados pelo ICMS, pelo ISS ou por nenhum dos dois. Essa é uma questão que não se coloca em países que têm bons IVAs. Na reforma da tributação do consumo no Brasil devemos repensar o desenho dos fatos geradores, mas isso envolve principalmente rever nossa cultura jurídica para nos comunicarmos com o resto do mundo. Nada tem que ver com a inovação tecnológica propriamente dita.
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