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O país foi surpreendido na segunda-feira dia 9 de novembro, quando caminhoneiros começaram a bloquear estradas em 14 estados. Nos protestos, mantidos ao longo de dias, eles queimaram pneus, provocaram engarrafamentos, dificultaram o abastecimento das cidades e causaram prejuízos para setores como os de leite e de carnes.
Mobilizados via redes sociais e sob uma liderança de fora dos sindicatos tradicionais do setor, os manifestantes chegaram a pedir a renúncia da presidente Dilma Rousseff. Mas sua intenção de fato era pressionar o governo a adotar um piso para o valor do frete e reduzir o preço do óleo diesel — pauta que reflete a difícil situação que os caminhoneiros estão enfrentando.
De janeiro a outubro, a demanda por transporte de carga no país caiu 3,3% devido à recessão econômica. No mesmo período, o frete subiu 10%, perto da inflação, mas os custos operacionais aumentaram 13%. Nenhum item pesou tanto na conta quanto o combustível. O preço médio do diesel na bomba subiu 20%, para 3 reais por litro.
Um terço desse avanço foi motivado pela decisão do governo de retomar a cobrança de impostos sobre os combustíveis que estava zerada há três anos. Desde fevereiro, voltaram a incidir sobre o diesel e a gasolina o programa de integração social (PIS), a contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins) e a contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide).
No caso do diesel, os tributos representaram um acréscimo no preço de 0,15 real por litro. Com isso, a despesa do setor de transporte rodoviário de carga com o combustível crescerá 5 bilhões de reais — para 88 bilhões neste ano, segundo o Ilos, centro de estudos em logística.
“A conta do setor não está fechando”, diz Maurício Lima, diretor do Ilos. “Veremos empresas demitindo, motoristas autônomos no prejuízo e menos renovação da frota, prejudicando toda a economia.” Até o fechamento desta edição, no dia 13, os protestos, embora menores, continuavam e nenhum dos pedidos havia sido atendido.
O setor de transporte de cargas não é o único a sofrer com o aumento da tributação. Com uma dívida pública que já está em 66% do PIB, o governo precisa melhorar suas contas — o déficit anual em setembro era de 9,3% do PIB. Até agora, o caminho principal para tentar equilibrar as finanças — o chamado ajuste fiscal — tem sido o da elevação de receitas, e não o do corte de despesas.
Cálculos da consultoria Tendências mostram que a equipe econômica encontrou dez maneiras de aumentar a alíquota de tributos em 35,2 bilhões de reais e quatro maneiras para economizar 22,4 bilhões em 2015. Não entram na conta 83 bilhões de reais em contingenciamento, gastos que são apenas congelados. Aumentar a carga tributária é o meio mais fácil e rápido.
Há impostos que nem sequer precisam passar pela aprovação do Congresso, como aqueles que incidem sobre os produtos industrializados e sobre as operações financeiras — eles passam a valer após a publicação de um decreto. Além disso, a margem para cortar despesas é limitada.
No Brasil, do jeito que as coisas estão hoje, o governo só tem espaço para mexer em 10% dos gastos, ante 33% nos Estados Unidos e 47% no Japão. “Caso esse problema não seja resolvido, teremos sempre de elevar a carga tributária para fechar as contas, com impacto negativo em toda a economia”, diz o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal.
Um estudo do economista Paulo Rabello de Castro indica que, a cada aumento de 1 ponto percentual na carga tributária, o produto interno bruto potencial (aquele que se alcançaria com o uso pleno dos recursos) cai 0,5 ponto. “O investimento privado recua com a redução dos lucros retidos para pagar tributos”, afirma Rabello. “Isso reduz a produtividade e diminui a capacidade de a economia crescer.”
No setor químico há exemplo de como os investimentos — que já eram desanimadores — podem refluir ainda mais. Uma medida provisória de setembro, que ainda tramita no Congresso, prevê a elevação da alíquota do PIS e da Cofins cobrados sobre insumos de 1%, em 2015, para 9,25%, em 2017.
Isso só veio complicar uma situação de incerteza: uma queda de braço entre a Petrobras e a Braskem, fornecedora de matéria-prima para o setor. Nesse cenário, a empresa polonesa Synthos cancelou um investimento de 250 milhões de dólares que faria para erguer uma fábrica de borracha no Rio Grande do Sul.
E a alemã Styrolution suspendeu a construção de uma fábrica de plástico na Bahia, no valor de 200 milhões de dólares. No caso de investimentos já realizados, com aumento da carga tributária, pode não haver retorno.
A Multilaser, fabricante paulista de produtos de informática, tomou empréstimo de 100 milhões de reais com banco para montar uma fábrica de chips de memória no município de Extrema, em Minas Gerais. A ideia é atender ao mercado de eletrônicos no país. A empresa contratou 120 engenheiros, nove deles vindos das Filipinas para treinar os profissionais locais.
A fábrica ficou pronta em setembro do ano passado, quando o governo havia prorrogado até 2018 a isenção de PIS e Cofins de smartphones, tablets, notebooks e roteadores. Contando com essa vantagem, o plano era obter o retorno do investimento em quatro anos. Mas uma medida provisória em discussão no Congresso acaba com o benefício.
“Na melhor das hipóteses, teremos o retorno em seis anos”, diz Eder Grande, diretor financeiro da Multilaser. “Na pior, as empresas vão importar eletrônicos em vez de fabricar no país, e o retorno não virá nunca.” O aumento da carga tributária deve dificultar o acesso dos mais pobres ao mercado consumidor e acentuar as desigualdades sociais.
O setor de telefonia prevê pagar 8,4 bilhões de reais a mais de tributos com o ajuste fiscal em curso — uma quantia que representa duas vezes o lucro das empresas em 2014. O valor diz respeito aos aumentos do imposto sobre a circulação de mercadoria e serviços nos estados, além do PIS, da Cofins e das taxas setoriais cobradas pela União.
Um dos alvos do governo federal é triplicar o valor recolhido para o fundo de fiscalização da telefonia, chamado de Fistel. As empresas do setor pagam perto de 27 reais pela ativação de um chip — o valor iria a 77 reais. Nas contas pré-pagas, em que os clientes gastam, em média, 12 reais por mês, as operadoras teriam de receber seis meses apenas para recolher a taxa ao governo.
O resultado deve ser o aumento do preço do serviço e, como consequência, a conta pode ficar alta demais para muitos consumidores. A Agência Nacional de Telecomunicações calcula que 40 milhões de usuários podem ser expulsos do mercado — principalmente quem tem conta pré-paga, os mais pobres.
A pressão do setor fez o governo desistir da ideia neste ano, mas o ministro Nelson Barbosa, do Planejamento, já sinalizou que ela retornará em 2016. “A medida vai contra a inclusão social que o governo defende”, diz Eduardo Levy, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia. A carga tributária também alimenta a inflação.
O banco Safra elevou a projeção do índice de preços no ano que vem de 6,3% para 7,2%. O motivo: a perspectiva de que a Cide sobre os combustíveis aumente mais uma vez e que os governos estaduais intensifiquem a cobrança do ICMS.
Para fechar a conta em 2016, a equipe econômica ainda defende a volta da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, extinta em 2007. Está difícil ver como a persistência nesse caminho vai tirar o país do atoleiro atual.
http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1102/noticias/o-pio...
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