Blog da BlueTax moderado por José Adriano
Blog da BlueTax
Por Fernando Torres
O governo reacendeu há algumas semanas o fantasma da dupla contabilidade, com a proposta de separação total da apuração do lucro societário, aquele que vale para apuração dos dividendos aos acionistas, do lucro fiscal, que serve como base para tributação da renda. Se a ideia não acaba formalmente com a adoção do padrão contábil internacional no Brasil, pode representar um risco para o uso do IFRS por empresas fechadas e menores.
O Brasil iniciou o processo de adoção do IFRS em 2008, com objetivo de tornar os balanços das empresas locais comparáveis ao das concorrentes de outros países e de facilitar o acesso das companhias brasileiras ao mercado de capitais internacional. Além da comparabilidade, diversos estudos acadêmicos apontaram a melhora da qualidade e da relevância da informação financeira produzida dentro desse padrão.
Como havia uma preocupação de que a mudança contábil provocasse mudança (leia-se aumento) da carga de tributos, adotou-se inicialmente o chamado Regime Tributário de Transição (RTT), por meio do qual, após a apuração do lucro societário conforme as regras internacionais, as companhias passaram a fazer uma série de ajustes para se chegar ao lucro tributável, conforme as regras fiscais que seguiam vigentes.
Após a edição da Lei 12.973, o regime que era de transição se tornou perene. E a cada nova mudança na contabilidade internacional está prevista a criação de um novo ajuste a ser feito para fins de apuração da base tributável.
Pelo relatos ouvidos nos últimos anos, é possível dizer que dá bastante trabalho, para as empresas, realizar esses controles, e divulgar os ajustes anualmente para a Receita Federal, via Sped.
Mas o fato é que os investimentos necessários para essa prestação de contas já foram feitos.
Agora, talvez porque esteja com dificuldade de acompanhar os ajustes que são realizados, o Fisco colocou na mesa novamente a proposta de que as empresas tenham contabilidade paralela em que ele será o único responsável por ditar o que é receita (tributável) e despesa (dedutível) de cada período. Em vez de se partir do lucro societário e realizar os ajustes, monta-se uma demonstração de resultados totalmente nova, que só valerá para a Receita Federal, e com regras definidas por ela.
Em termos operacionais, cabe às empresas dizer o que lhes dá mais trabalho. Se é manter o modelo de ajustes já desenvolvido, ou criar um novo sistema contábil para conviver com o atual - pelos relatos colhidos até agora, parece haver uma preferência, no empresariado, pelo modelo vigente.
Mas há outras questões além dessa citada acima. Se a proposta da Receita Federal não acaba oficialmente com o IFRS entre as pouco mais de 500 companhias abertas registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), já que a exigência continuaria a existir e os balanços serão necessariamente auditados e conhecidos pelo público, há um risco não desprezível de que as demais empresas do país acabem deixando de produzir a contabilidade societária no padrão internacional, reconhecidamente de melhor qualidade para a gestão empresarial. Para o ambiente de negócios do país, portanto, seria ruim.
Outro risco citado por empresários é que, uma vez que haja o divórcio completo entre a contabilidade societária e a fiscal, a Receita Federal decida impor livremente seus critérios sobre o que reconhecerá como receita ou despesa, sem que as empresas possam se escorar em regras contábeis para se defender de medidas que visem apenas o aumento da arrecadação.
Embora os brasileiros tenham dificuldade de lidar com a subjetividade trazida pela contabilidade mais próxima do valor justo, parece cortina de fumaça imputar o volume de contencioso fiscal no país à adoção do IFRS, uma vez que ele já era bastante grande antes de 2008. Se o secretário da Receita considera que as regras internacionais criam fenômenos "esdrúxulos", é bom lembrar que investidores de mais de cem jurisdições no mundo investem centenas de bilhões de dólares em empresas que calculam seus lucros e dividendos com base nessas normas.
https://www.valor.com.br/brasil/6412173/o-fantasma-da-dupla-contabi...
© 2025 Criado por José Adriano. Ativado por
Você precisa ser um membro de Blog da BlueTax moderado por José Adriano para adicionar comentários!
Entrar em Blog da BlueTax moderado por José Adriano