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Recentemente, uma sala comercial discreta e espartana, localizada no bairro da Bela Vista, em São Paulo, tornou-se ponto de romaria de políticos de todos os credos e espécies. Nos últimos meses, Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Manuela D’Ávila (PCdoB), João Amoêdo (Novo) e Fernando Haddad (PT) estiveram lá por algumas horas — Jair Bolsonaro ainda não foi, mas disse que vai enviar o economista Paulo Guedes, responsável por responder a perguntas de economia relativas a sua candidatura.
Uma vez lá dentro, todos passaram pelo mesmo ritual, que dura em média três horas. O anfitrião faz uma apresentação sobre o assunto pelo qual é apaixonado há quase uma década e, por fim, uma oferta que captura a atenção do ouvinte: e se, num horizonte de dez a 20 anos, todo brasileiro fosse 10% mais rico do que é hoje? Nessa mesma sala, o economista Bernard Appy, ex-secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda nos dois mandatos do ex-presidente Lula, recebeu ÉPOCA — e se empolgou ao falar sobre a proposta que chamou a atenção do líder dos sem-teto e pré-candidato pelo PSOL, Guilherme Boulos: impostos. “Honestamente, não sei se reforma tributária ganha muito voto”, admitiu.
Appy é autor e defensor do mais recente — entre dezenas já feitas — projeto de reforma tributária. É um dos bons especialistas num assunto tão sonolento quanto intrincado e fundamental. O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias entre países emergentes, equivalente a 33% do PIB, o que o torna menos competitivo. Tem um sistema tão injusto quanto complexo — de 1988 a 2016, mais de 363 mil normas tributárias foram editadas. Não há economista que discorde da ideia de que o país precisa remodelar o sistema de cobrança de impostos. Não há empresário que não reclame dos impostos. Não há dia que não se fale na urgência da reforma tributária. Não há eleição em que a reforma tributária não seja assunto. Não há governo que não tenha se comprometido a fazer a reforma. Não há político que nunca tenha defendido a reforma.
Contudo, como existem tributos federais, estaduais e municipais, e mexer nisso implica em perdas, há cerca de 20 anos persiste um impasse. Assim, não deve ser chamado de doido aquele que apostar que a conversão da Coreia do Norte ao capitalismo aconteça antes da reforma tributária no Brasil.
Há três anos, Appy criou um think tank chamado Centro de Cidadania Fiscal, o CCiF, concentrado na produção e difusão de estudos sobre a questão tributária no Brasil. O grupo, formado também pelos professores Eurico Marcos Diniz de Santi, Isaías Coelho, Vanessa Canedo e pelo ex-ministro da Previdência Nelson Machado, quer transformar a teoria em prática. Há meses Appy oferece seu plano a pré-candidatos. Não faz distinção ideológica ou partidária. Ele e seus colegas garantem que a proposta pode ser defendida com facilidade tanto por gente de esquerda quanto de direita. A estratégia é falar com o máximo de pré-candidatos possíveis para mostrar a importância da realização da reforma e convencer o candidato vencedor a investir capital político no tema no início do mandato, sobretudo no primeiro semestre de 2019. “Tem alguns que entendem mais e alguns que entendem menos”, explicou o diretor do think tank. “Os assessores geralmente entendem.” Até agora, Marina Silva e Geraldo Alckmin citaram publicamente a colaboração de Appy e do centro na formulação de suas propostas.
Em alguns casos, o CCiF foi procurado pelos pré-candidatos; em outros, procurou os assessores econômicos dos presidenciáveis. Todo encontro com pré-candidatos segue o mesmo roteiro. Após a tal apresentação de Appy, o grupo discute ponto a ponto os temas, tira dúvidas e esclarece questões levantadas pelos assessores econômicos. É nesse momento que as diferenças entre os postulantes ao Palácio do Planalto se pronunciam durante cada uma das reuniões do CCiF. Em sua visita, em abril, Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e candidato do PSOL, chegou sem Laura Carvalho, coordenadora de seu programa econômico e professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Outros integrantes de sua equipe estavam lá, como Carlos Pinkusfeld, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Boulos quis saber mais sobre a possibilidade de taxação de grandes fortunas, uma das propostas defendidas por ele e seus auxiliares econômicos. “Mas esse tipo de cobrança de imposto é outra coisa, é algo mais didático”, explicou Appy. Outro ponto que gerou interesse do presidenciável é a possibilidade de tributar lucros e dividendos. Semanas depois da reunião, em entrevista ao programa Roda viva, da TV Cultura, Boulos usou alguns dos dados que debateu com os diretores do centro para rebater perguntas dos entrevistadores. A turma de Appy gostou.
Marina Silva esteve na sala da Rua Itapeva há pouco mais de um mês. Levou dois de seus principais conselheiros econômicos para o encontro, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, que a acompanhou em suas duas tentativas de chegar ao Planalto, e Ricardo Paes de Barros, considerado um dos principais idealizadores do Bolsa Família. João Paulo Capobianco e Bazileu Margarido também foram. A conversa durou mais de três horas. Dias depois, numa palestra para investidores, a pré-candidata da Rede citou o “apoio institucional” do CCiF a seu programa de governo.
Bernard Appy em seu escritório em São Paulo. Uma receita de reforma...
O tucano Geraldo Alckmin se interessou pela questão da competitividade trazida pela proposta de reforma tributária. Enquanto Appy e o CCiF citavam a projeção de um crescimento de 10% no PIB em dez anos, Alckmin se interessou pelos benefícios que a reforma poderia acarretar no curto prazo, nos dois primeiros anos. As reuniões do tucano com Appy são anteriores — começaram quando ele ainda sentava na cadeira de governador no Palácio dos Bandeirantes. Depois que deixou o cargo, teve outra reunião com Appy e a turma do CCiF. Alckmin é auxiliado por Pérsio Arida, um dos idealizadores do Plano Real e adepto da corrente liberal, bastante afeita à reforma tributária.
O matiz ideológico não tem importado. Nelson Marconi e Mauro Benevides, conselheiros econômicos de Ciro Gomes, estão distantes do liberalismo de Arida, mas deram ouvidos a Appy. “Não tem a ver com o tamanho do Estado. É sobre ter um imposto eficiente. Se quiser um Estado grande, tenha um imposto eficiente. Se o candidato quiser ter um Estado mínimo, tenha um imposto eficiente. Nosso sistema tributário é tão ruim que dá para se tornar ao mesmo tempo mais justo e mais eficiente. Hoje, é injusto e ineficiente.” Apenas com Ciro Gomes, Appy e os seus tiveram três encontros. “O Ciro gostou muito. Da última vez a gente conseguiu conversar mais detalhadamente, a gente conseguiu entender melhor alguns pontos. Ele ficou muito entusiasmado com a ideia deles”, disse Marconi.
Segundo ele, Ciro saiu do encontro impressionado com, entre outros fatores, a capacidade do projeto de evitar as resistências que, em geral, impedem a aprovação de uma reforma tributária. Um incentivo em seu caso é que o Ceará — estado que já foi governado por Ciro e por seu irmão Cid Gomes e até hoje está nas mãos de seu grupo político — seria um dos principais beneficiados com o fim da guerra fiscal que a reforma tributária proposta traria. A diferença entre os estados ganhadores e os estados perdedores com o atual sistema complexo de cobranças de impostos é o principal entrave para a reforma. Após um dos encontros, Ciro saiu defendendo as bases do projeto em entrevistas.
Em linhas bem gerais, a proposta de Appy gira em torno do fim de cinco impostos que hoje incidem diretamente sobre o consumo da população: ICMS, PIS, Cofins, IPI e ISS. A letras que infernizam empresários e costumam passar batidas por consumidores na hora de passar suas compras no caixa se transformariam em apenas três: IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Os ganhos de produtividade viriam principalmente com a desoneração das exportações e dos investimentos públicos. Os cinco atuais impostos levaram, segundo Appy, a um cenário de guerra fiscal entre estados, à falta de transparência e à ineficiência.
Appy acredita que a guerra fiscal tenderia a sumir. A competição entre estados para atrair empresas é considerada por ele e seu grupo um dos fatores de desequilíbrio produtivo no Brasil, porque os incentivos, em geral, são dados a empresas que não têm vocação para atuar onde se instalam. São Paulo, por exemplo, concede benefícios fiscais a frigoríficos, que ficam longe das áreas dedicadas à pecuária, enquanto estados do Centro-Oeste oferecem desonerações para atrair montadoras, distanciando-as de seu mercado consumidor. Segundo Appy, cada emprego na Zona Franca de Manaus, no Amazonas, custa R$ 200 mil apenas em impostos federais. De acordo com os estudos do CCiF, o fim da guerra fiscal geraria um aumento da produtividade de curto prazo. Para recompensar os estados, a proposta prevê um período de transição de 50 anos. As empresas teriam uma transição de dez anos.
De acordo com assessores que fizeram parte das reuniões, as conversas costumam ser densas. O CCiF organizou materiais, tabelas, gráficos e uma apresentação para os candidatos, principalmente para aqueles menos familiarizados com o assunto. Apesar das visões diferentes, a recepção tem sido boa por parte dos candidatos. “É uma proposta que dá uma racionalidade maior. O terror todo da reforma tributária é aquilo de quem ganha e quem perde, mas eles introduziram uma estratégia de transição que dá mais segurança a todos”, segundo Bazileu Margarido, assessor de Marina Silva.
Daqui até outubro, Appy tentará traduzir isso para o maior número possível de candidatos, na expectativa de transformar seu sonho e do CCiF em realidade. Até a campanha do ex-presidente Lula se interessou. Seu possível substituto, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, apareceu no Centro de Cidadania Fiscal. Como Appy e Haddad já se conheciam, foi apenas uma conversa informal. O próximo na fila a ouvir e ser ouvido é o líder das pesquisas eleitorais, o deputado Jair Bolsonaro, do PSL.
Fonte: https://epoca.globo.com/politica/noticia/2018/06/partidos-diferente...
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