Qual norma adotar (e ensinar!): Conjunto Completo de CPCs ou CPC PME?

O processo de mudança das Normas Contábeis que vem correndo no Brasil não é recente. A Lei 11.638 aprovada em 2007 é a conversão do projeto 3.741 de 2000. A IFRS 1, Norma Internacional que estabeleceu a “harmonização” da contabilidade na Comunidade Européia foi publicada em 2001. O CPC, entidade criada com a responsabilidade de traduzir as IFRSs para a realidade brasileira, foi criada em 2005. Contudo depois de vários anos, muitos profissionais e acadêmicos da área contábil ainda estão distantes desta nova realidade, “pregada” em muitas publicações, treinamentos e palestras.

Todos aqueles que já estão estudam ou aplicam o assunto nas empresas, têm encontrado muitas dificuldades em assimilar toda a abrangência e extensão das normas e orientações publicadas. Outra dificuldade se pode observar nas faculdades e cursos técnicos, aonde professores ainda não praticam integralmente o ensino destas novas normas, ou diante da complexidade e abrangência do tema, focam o ensino em tópicos não relevantes ou não aplicáveis à maioria das empresas.

Neste sentido, é importante destacar a iniciativa do IASB (entidade responsável pela publicação dos IFRSs), a qual apresentou, em Julho de 2009, o IFRS para Pequenas e Médias Empresas (convertido no Brasil como CPC para Pequenas e Médias Empresas). Este pronunciamento, mais do que um resumo do conjunto completo de normas (cerca de 40 pronunciamentos), apresenta simplificações importantes que, além de facilitar a implantação nas pequenas empresas, também visa auxiliar o ensino das novas normas. E neste ponto, surge uma questão muito importante: quem são as pequenas empresas de acordo com o CPC?

Por definição da norma, são consideradas pequenas e médias as empresas que não tem prestação pública de contas (empresas de capital aberto ou sujeitas à órgãos reguladores, por exemplo) e que elaboram demonstrações contábeis para fins gerais para usuários externos (não fazem contabilidade somente para o fisco, por exemplo). Assim, 99% das empresas brasileiras podem ser consideradas PMEs na visão das normas contábeis. Exemplificando, embora uma empresa de capital fechado que fature R$ 300 milhões seja considerada de grande porte segundo a Lei 11.638 de 2007, devendo observar as normas da CVM para elaboração de suas demonstrações financeiras (ficando sujeita à Auditoria Externa), uma companhia fechada que fature R$ 299 milhões é considerada PME para fins de aplicação das normas contábeis.

Além da questão da tipificação da Pequena e Média Empresa pelas atuais Normas Contábeis Brasileiras de Contabilidade, é importante salientar que uma vez enquadrada como tal, suas Demonstrações Contábeis terão como referência para elaboração o Pronunciamento CPC para PME – e não o Conjunto Completo das Normas. Assim, deve-se observar que embora muitos livros publicados e treinamentos realizados tenham sido elaborados com foco abrangente, cobrindo a totalidade dos CPCs, estes materiais precisam ser revistos à luz das diferenças que existem na aplicação do conjunto Completo de Normas e do CPC PME. Abaixo, algumas destas diferenças são listadas:

Item

CPC Completo

CPC PME

Pesquisa e Desenvolvimento

Pesquisa é Despesa. Desenvolvimento pode ser classificado como Ativo Intangível quando atendidos critérios específicos

Todos os gastos com Pesquisa e Desenvolvimento devem ser tratados como Despesa.

Goodwill (Ágio por Expectativa de Rentabilidade Futura)

Definido como ativo intangível com vida indefinida, não pode ser amortizado.

Todos os ativos intangíveis tem vida finita, assim devem ser amortizados.

Propriedade para Investimento

Escolha entre "valor justo" e método de custo para mensuração.

Somente utilizar "valor justo" quando este pode ser medido sem custos ou esforços significativos.

Ativo Não-Circulantes Mantidos para Venda

Necessário reclassificar ativos quando existe decisão de venda, afetando também a mensuração.

Não se aplica a reclassificação.  A decisão de venda é considerada indicador para Impairment (Redução ao Valor Recuperável de Ativos).

Ajuste ao Valor Presente

Possui pronunciamento específico (CPC 12)

Não é tratado em seção específica, mas efeitos financeiros devem ser considerados nas receitas e compras.

Receitas

Contratos de Construção possuem pronunciamento específico (CPC 17)

Contratos de Construção são tratados como um item de Serviço.

Custos de Empréstimos

Capitalizados aos Ativos Qualificados (que demanda, um período de tempo substancial para ficar prontos)

Não Capitalizados - tratados como despesas.

Estoques

Uma entidade pode usar técnicas para avaliar os inventários se o resultados se aproximarem do custo, como o Custo Padrão e o Método de Varejo.

Admite o Preço de Compra Mais Recente (não previsto no CPC 16). Este é aquele que se aproxima do "Inventário Periódico" praticado por muitas empresas.

Reavaliação de Ativos

Aceito se Lei permitir.

Vedado.

Depreciação

O método de depreciação é revisto pelo menos a cada exercício.

O método de depreciação é revisto somente se houver uma indicação de alteração significativa no uso do ativo desde o ultimo encerramento.

Benefícios a Empregados

Várias isenções e limitações para PMEs.

Impostos sobre o Lucro

Várias isenções e limitações para PMEs.

Instrumentos Financeiros

Várias isenções e limitações para PMEs.

Combinações de Negócios

Várias isenções e limitações para PMEs.

 

Além das diferenças citadas acima, o Pronunciamento CPC PME traz consigo muitas simplificações para uma aplicação prática das normas contábeis nas empresas (enquanto o conjunto completo de normas tem 3000 páginas o CPC PME tem 240). Segundo o IASB, as simplificações foram feitas observando as seguintes premissas:

- Alguns tópicos nos CPCs Completos omitidos se irrelevantes para entidades fechadas;

- Quando os CPCs Completos apresentam opções, incluída apenas as mais simples para as PME;

- Simplificações de reconhecimento e mensuração;

- Divulgações reduzidas (o checklist para as Normas Completas tem em média 3000 itens de verificação enquanto o checklist para as PMEs tem 300 itens);

- Linguagem simplificada.

Diante destas premissas, é compreensível também que o custo para implantar as normas contábeis nas PMEs seja significativamente menor do que nas empresas que adotam o conjunto completo de normas. Mas isso pode não ocorrer se os profissionais e estudantes do assunto não ficarem atentos à aplicação correta do pronunciamento.

Tomamos como exemplo, o caso de um auditor, que trazendo o seu know-how de grandes companhias, pode ter uma tendência a executar seus testes nas PMEs assim como o faz nas grandes empresas. Ou então, ao buscar uma orientação em um livro de contabilidade, se o autor abordou o tema com teoria e exemplos baseados na aplicação do conjunto completo das normas, e não considerou ou não destacou as simplificações das PMEs, o leitor pode estar sendo induzido à um erro de prática ou aprendizagem contábil. O mesmo pode acontecer em cursos de aperfeiçoamento e consultorias. Quando isso ocorre, o objetivo do CPC PME, de tornar mais acessível e simples o processo de adoção das normas contábeis, não é alcançado.

Outro problema associado à escolha e aplicação das normas contábeis no Brasil (este comum ao conjunto completo de normas e ao CPC PME) é que, conforme definido na Lei 11.941 de 2009, o Regime Tributário de Transição – RTT, que trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei no 11.638 de 2007, estabelece que este regime vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária, ou seja, até a criação de um novo Regulamento do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas que passe a admitir as novas normais. Até lá, para todas as empresas (independe se enquadradas no regime do Lucro Real ou Lucro Presumido, por exemplo), as novas regras contábeis devem ser “reconciliadas” com as antigas regras fiscais. Isso gera uma duplicidade de registros contábeis.

Assim, com a aplicação do conceito do Ajuste a Valor Presente, deve-se contabilizar, por exemplo, a aquisição de uma Máquina pelo seu valor presente, se o fornecedor concedeu prazo para pagamento de 370 dias, assumindo que existe parte financeira na operação que deverá ser tratada como encargo financeiro. Ilustrando o exemplo a seguir:

Valor Total da Máquina $ 100 (para pagamento em 370 dias)

- Juros Implícitos de 10% a.a. no valor de $ 10

Contabilização da aquisição (visão CPC)

Débito – Maquinas $ 90

Crédito – Fornecedor $ 100

Débito – Ajuste a Valor Presente  $ 10

 

No exemplo acima, considerando que o ativo tenha vida útil de 10 anos a depreciação será de $ 9 ao ano. E mensalmente, a empresa capitalizará e reconhecerá a despesa de juros.

No entanto, como a visão dos Juros Implícitos não é admitida pela legislação tributária, o valor total da Nota Fiscal desta operação será o valor total do bem para efeito de Contabilidade Fiscal, ficando a contabilização assim:

Contabilização da aquisição (visão fiscal)

Débito – Maquinas $ 100

Crédito – Fornecedor $ 100

 

No caso acima, a depreciação para fins ficais será de $ 10 ao ano e não haverá despesa de juros. Os lançamentos contábeis para ajustarem a prática societária à prática fiscal deverão ser documentados e apresentados ao fisco no programa conhecido como e-LALUR (que substituiu o programa FCONT entregue pelas empresas em 2010 e 2009).

O que se apresenta no exemplo anterior é que não basta entender e aplicar as novas regras contábeis – a empresa terá que manter o entendimento e aplicação (inclusive mantendo a escrituração contábil) também das regras fiscais. Se para um profissional de contabilidade isso pode parecer confuso e extremamente complexo, o que se pode esperar, para um estudante de contabilidade: o professor vai ensinar que uma mesma operação é contabilizada de duas formas distintas se o fisco não admite a norma do CPC?

Assim, a adoção do CPC PME é a melhor opção para as entidades que podem fazê-lo, pois além de manter a convivência com as regras fiscais, adotar o conjunto completo de normas pode ser considerado um esforço desnecessário e que pode aumentar o custo de implantação, além de dificultar ou postergar a sua adoção.

Pelos motivos apresentados anteriormente recomenda-se que os autores ao escreverem seus livros, os professores ao prepararem suas aulas, as empresas de treinamentos aos prepararem seus cursos, órgãos e associações ao promoverem palestras e eventos, assim como auditores, consultores e principalmente, profissionais e estudantes, devem ficar atentos para a escolha correta das normas que vão divulgar ou utilizar no seu dia-a-dia.

É importante destacar que mesmo utilizando o CPC PME, o conjunto completo de normas (e suas derivações) continua sendo necessário para aprimorar práticas e definir políticas contábeis em eventual ausência de esclarecimentos no CPC PME. Assim, todo material e conhecimento produzido e adquirido até aqui não será descartado, mas devemos estar atentos para uma adequada, e correta, adoção das Novas Normas Contábeis.

 

Por TIAGO NASCIMENTO BORGES

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