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Interessada unicamente no aumento constante da arrecadação, a Receita Federal não se preocupa com a origem dos tributos que os contribuintes recolhem, desde que recolham sempre, e sempre mais. Para sua tranquilidade, a arrecadação vem crescendo mês após mês, independentemente do desempenho da economia.
Em fevereiro, apesar dos notórios problemas por que passa a indústria manufatureira, a arrecadação tributária continuou a crescer, alcançando o recorde de R$ 71,9 bilhões, 5,9% mais do que o total arrecadado em fevereiro do ano passado, já descontada a inflação. No primeiro bimestre, a arrecadação totalizou R$ 174,5 bilhões, 6,0% mais do que nos dois primeiros meses de 2011.”A arrecadação está ancorada na atividade econômica, não só na produção industrial”, justificou a secretária adjunta da Receita Federal, Zayda Bastos Manatta.
A explicação deve ser interpretada com ressalvas. Por uma distorção do sistema tributário brasileiro, quando a economia vai bem, o aumento da arrecadação sempre supera o crescimento da produção; quando a economia encolhe, a receita diminui bem menos que a produção. A arrecadação neste ano está crescendo num ritmo que nem o membro mais otimista do governo projeta para o crescimento da economia. E cresce em relação a uma base de comparação alta, pois, em 2011, apesar do aumento pífio do PIB, a arrecadação foi 10% maior do que a de 2010.
Não é, pois, somente a atividade econômica que “ancora” a arrecadação. A Receita frequentemente invoca fatores específicos para justificar aumentos inusitados. Ela atribui o recorde de fevereiro à antecipação do recolhimento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido relativos ao ajuste na apuração do lucro em 2011. Em fevereiro, a receita desses dois tributos somou R$ 1,394 bilhão, contra R$ 634 milhões no ano passado.
O setor financeiro e o comércio também estão contribuindo para os bons resultados da arrecadação. No primeiro bimestre do ano, as instituições financeiras recolheram 46,6% mais tributos do que em igual período de 2011. As empresas comerciais, do varejo e do atacado, estão entre as que mais recolheram tributos nos dois primeiros meses do ano. É o reflexo do aumento da massa salarial e do consumo.
Como a receita do Imposto de Importação cresce (aumento real de 8,64% em fevereiro, na comparação com fevereiro de 2011) enquanto diminui o total de tributos pagos pela indústria de transformação (queda de 8,6% da arrecadação do IPI, excetuado o do setor de bebidas), está crescendo a fatia dos produtos importados e encolhendo a dos manufaturados nacionais no mercado interno.
Isso significa que a expansão do consumo está sendo atendida cada vez mais por importações, em detrimento da produção local, daí a queda de 3,4% da produção industrial em janeiro, com reflexos nítidos nos resultados da Receita. A arrecadação de IPI de automóveis diminuiu 21,2% em relação a fevereiro do ano passado; a do setor de máquinas, aparelhos e materiais elétricos diminuiu 43,4%; a de produtos químicos caiu 23,4%; e a de minerais não metálicos, 9,8%.
Igualmente como reflexo da crise da indústria, a arrecadação do ICMS em São Paulo somou R$ 7,86 bilhões, 4,3% menos do que em fevereiro de 2011. “O resultado foi influenciado pelo mau momento que passa a indústria, especialmente a paulista”, disse Ivan Netto Moreno, presidente do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo.
Na tentativa de demonstrar preocupação com a perda de espaço da indústria brasileira no mercado doméstico para os concorrentes estrangeiros, o governo recorre cada vez mais a medidas protecionistas e a benefícios tributários que pouco efeito produzem. Ao agir dessa forma, o governo foge da questão central, que é assegurar competitividade ao setor produtivo nacional, por meio de reformas estruturais, que exigem competência e esforço político. Mas, quanto mais dinheiro do contribuinte continuar entrando nos cofres da Receita, menos interessado estará o governo nessas reformas.
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