Depois do Plano Real a Reforma tributária é uma verdadeira revolução social
Por Paulo Corrêa
Há décadas se discute no Brasil a reforma tributária. Inúmeros projetos já tramitaram e ainda tramitam no Congresso Nacional, ainda sem muitos avanços. O debate é sempre focado na necessidade de simplificação do sistema e na redução da carga tributária, considerada elevadíssima para o nível de desenvolvimento do país e, principalmente, dos péssimos serviços públicos ofertados à população.
Nas discussões sobre o tema, sempre se afirma que a reforma tributária é essencial para o país, a fim de gerar maior desenvolvimento econômico, emprego e outros efeitos correlatos. Ou seja, o debate é travado longe do alcance do cidadão comum, que identifica os temas descritos como de interesse exclusivo da classe empresarial ou das elites econômicas. Contudo, a verdade é que uma reforma tributária bem pensada pode significar uma verdadeira transformação social.
No sistema tributário brasileiro, a maior fatia da arrecadação, cerca de 65%, advém dos tributos sobre a produção e o consumo, aqueles incidentes na cadeia produtiva, iniciando na indústria, passando pelo atacado, chegando ao varejo e terminando no bolso do consumidor final, que arca financeiramente com o custo tributário embutido nos preços dos produtos.
Trata-se de um sistema altamente regressivo, o qual penaliza a fatia mais pobre da população, que, proporcionalmente, paga muito mais tributo no Brasil do que as classes sociais mais altas. Contudo, essa tributação injusta é indolor. A grande maioria da população brasileira ignora como funciona o sistema tributário no país e que impacto tem em sua vida, principalmente a parcela mais humilde da sociedade, que não é alcançada pela tributação direta.
Esse cidadão não é alcançado pelo IPVA, porque não possui carro; não paga IPTU, porque não tem casa; e não paga Imposto de Renda, porque a sua renda ainda está na faixa de isenção do tributo ou porque trabalha na informalidade. Assim, imagina ele que o debate sobre tributação não lhe interessa e, pior ainda, que não possui legitimidade para reclamar dos péssimos serviços públicos que lhe são ofertados, porque não contribui para o sustento desses. Entretanto, esse cidadão paga tributo em tudo que consome — o que pode levar mais de 30% da sua renda, porém de forma despercebida.
Ao fazer a compra do mês no supermercado, o contribuinte brasileiro — mesmo sem saber — pagará pesada carga tributária embutida nos preços dos produtos adquiridos. Em média, no Brasil, os tributos representam 40% dos preços dos produtos. Assim, ao pagar, por exemplo, R$ 100 numa compra de supermercado, o consumidor estaria pagando R$ 60 pelos produtos e R$ 40 a título de tributação. Imagina se o "Silva" soubesse que, ao beber uma cervejinha no fim de semana, consome uma e paga outra ao fisco. Provavelmente não aguardaria tão pacatamente por horas nas filas dos hospitais públicos.
O brasileiro precisa saber o quanto paga de tributos. Chega de ignorância! A reforma tributária, independentemente da necessidade de simplificação e redução da carga, deve trabalhar com dois pilares essenciais: primeiro, reduzir a regressividade do sistema, diminuindo o impacto financeiro da tributação sobre os preços dos produtos e possibilitando, assim, o acesso das pessoas a bens mais baratos. Segundo, que a tributação sobre produção e consumo sejam aparentes, que o cidadão saiba exatamente o quanto está pagando ao fisco em cada compra que realiza, que nós possamos ver o impacto sobre nossas vidas da imposição tributária e, assim, adquiramos consciência fiscal.
A redução do impacto fiscal sobre os preços possibilitará à população de menor renda o acesso a produtos hoje muito caros para o seu orçamento, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida. Contudo, mais importante ainda é o brasileiro ter ciência do que está pagando. Acredito que, ao ter ciência de que boa parte de sua renda é destinada ao Estado por meio da tributação indireta, o "Silva" não venderá o seu voto por uma "dentadura", pois o que ele paga ao fisco todo ano compra várias "dentaduras".
Jacques Veloso - Advogado especialista em direito tributário, foi conselheiro e presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/DF
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