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Por Eurico Marcos Diniz de Santi e João Alho Neto
O estado de São Paulo, em absoluto pioneirismo, publicou no mês de abril a primeira lei estadual de compliance tributário do Brasil (Lei Complementar 1.320 de 06/04/2018)[1]. Por meio desta lei foi instituído o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária - "Nos Conformes", cujo objetivo é criar ambiente de confiança recíproca entre Administração Tributária e contribuintes.
No início deste mês, a Secretaria da Fazenda de São Paulo deu início à consulta pública para debater o decreto que regulamentará e aperfeiçoará o funcionamento do Programa Nos Conformes[2]. Na oportunidade, foi divulgada minuta preliminar da proposta de regulamentação para que a sociedade possa se manifestar e contribuir para a construção da nova relação fisco-contribuinte que o Estado visa implementar.
Dentro deste fluxo de ideias, o Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP promoveu, na semana passada, seminário voltado à discussão da nova lei paulista, que contou com a presença de membros da Secretaria de Fazenda, de advogados e de acadêmicos. O evento trouxe ao debate temas e aspectos relevantes do Programa Nos Conformes. No início do seminário, o secretário adjunto da Secretaria da Fazenda, Rogério Ceron, elencou as etapas de implementação da lei, que passa pela consulta pública do regulamento e depois avança para eventos de orientação do contribuinte e atendimentos individualizados[4].
Princípios que regem o Programa Nos Conformes
A Teoria Geral do Direito ensina que os princípios são normas de otimização do sistema jurídico, estabelecem fins a serem perseguidos pelo ordenamento ao eleger um estado ideal de coisas. Em outras palavras, os princípios dizem de antemão onde o ordenamento jurídico quer chegar, o que ele quer promover, mas não estabelece os meios para tanto. Cabe às regras (tanto constitucionais quanto infraconstitucionais) conferir instrumentalidade aos princípios recorrendo a meios proporcionais de concreção.
O novo programa de compliance tributário paulista foi concebido com base em princípios expressos no art. 1º da LC 1.320/18. Estes princípios além de servirem como fundamento para o próprio programa Nos Conformes, também devem orientar todas as políticas, ações e programas que venham a ser adotados pela administração tributária.
O enfoque na transparência que o Programa Nos Conformes busca vem consagrado já no primeiro artigo da sua lei instituidora[5]. A Administração Tributária e os contribuintes têm conhecimento prévio das premissas que permeiam o texto da lei e que serão novamente veiculados, agora mais concretamente, no regulamento do Programa - sem prejuízo de outros princípios presentes no ordenamento jurídico brasileiro.
O regulamento do Programa Nos Conformes deverá ser formulado com base na: i) simplificação do sistema tributário estadual; ii) boa-fé e previsibilidade de condutas; iii) segurança jurídica pela objetividade e coerência na aplicação da legislação tributária; iv) publicidade e transparência na divulgação de dados e informações; e v) concorrência leal entre os agentes econômicos.
É relação de interdependência. A lei é previsível, objetiva e coerente porque elenca previamente os princípios que a norteiam, e os princípios são cumpridos porque a lei foi editada de forma previsível, objetiva e coerente. Esta percepção de confluência entre o texto da lei e seus princípios normativos está espraiada por toda sua extensão e futuramente deverá ser verificada também no regulamento, sob pena de incongruência e invalidade deste com a lei que faz referência.
Intercâmbio Autoridade Administrativa x Universidades e Centros de Pesquisa: o fisco de portas abertas para as boas ideias
A minuta do regulamento proposto pela Secretaria de Fazenda, agora aberta ao debate público, aborda questão relevante que já havia sido prevista no artigo 4º da LC 1.320/18, que é a participação do contribuinte em ações e projetos desenvolvidos pela Secretaria da Fazenda, em conjunto com instituições de ensino ou centros de pesquisa públicos ou privados com o intuito de apresentar soluções de problemas da tributação.
A lei elenca que as soluções devem ser relativas:
i) à simplificação de obrigações acessórias; ii) à simplificação das formas de apuração e pagamento de tributos;
iii) à implementação de medidas de estímulo à conformidade tributária, com o uso de inovações tecnológicas;
iv) ao desenvolvimento de soluções informatizadas para uso pelos contribuintes e pela Administração Tributária; e
v) à capacitação e o desenvolvimento de profissionais das áreas contábil, fiscal e financeira, dos setores privado ou público.
O Capítulo II do regulamento estabelece que esta parceria ocorrerá por meio de chamamento público de universidades e centros de pesquisa que se predisponham a colaborar com a solução dos problemas que foram elencados na lei. No entanto, a atividade não será unilateral, o regulamento prevê (artigo 2º, parágrafo 4º) que a Secretaria de Fazenda poderá disponibilizar recursos humanos do seu quadro de servidores, infraestrutura física e tecnológica ou mesmo emprego de recursos orçamentários para desenvolvimento e implantação das ações[6].
Este movimento de abertura da fazenda estadual se relaciona com as origens do projeto de lei do Programa Nos Conformes, que foi amplamente debatido nas universidades, em especial na FGV. A ideia é de que o intercâmbio de conhecimento e informações entre instituições importantes da sociedade fortaleça a confiança entre Administração Tributária e contribuintes, com vistas a somar esforços para resolução de problemas sistêmicos até então nunca superados.
Classificação dos contribuintes: critérios da LC 1.320/18 e as especificações do regulamento
A LC 1.320/18 dispõe três critérios de classificação dos contribuintes no ranking de “A+” ao “E” (e “NC” - não classificado):
i) obrigações pecuniárias tributárias vencidas e não pagas relativas ao ICMS;
ii) aderência entre escrituração ou declaração e os documentos fiscais emitidos ou recebidos pelo contribuinte; e
iii) perfil dos fornecedores do contribuinte, conforme enquadramento nas mesmas categorias e pelos mesmos critérios de classificação previstos nesta lei complementar.
A minuta do regulamento da Lei Nos Conformes apresenta anexo com especificações dos critérios de classificação dos contribuintes. Estabelece, por exemplo, quantas obrigações pecuniárias vencidas e não pagas de ICMS o contribuinte pode ter para ser considerado em uma ou outra categoria.
A depender do grau de conformidade do contribuinte, ele poderá ter acesso a diversas contrapartidas do fisco elencadas no Capítulo V da lei, tais como:
i) acesso ao procedimento de Análise Fiscal Prévia (realização de trabalhos analíticos ou de campo por Agente Fiscal de Rendas, sem objetivo de lavratura de auto de infração e imposição de multa);
ii) autorização para apropriação de crédito acumulado de forma simplificada;
iii) renovação de regimes especiais de forma simplificada; etc.
Ponto alvo de preocupação na fala de Gustavo Vettori no seminário do NEF/FGV Direito SP[7] foi o cadastro de fornecedores localizados fora do Estado de São Paulo, uma vez que o Programa analisa a rede de fornecedores do contribuinte por completo para aferir o rating. A lei não tinha deixado claro como seria a classificação desses fornecedores que, em sua maioria, não são cadastrados no Estado e que poderiam acabar por baixar a nota de contribuintes paulistas.
No entanto, a proposta de regulamento excluiu da análise os fornecedores “não-classificados - NC”, ressalvada a hipótese de concentração relevante desse tipo de fornecedor no mesmo contribuinte (item 4.2, do anexo I do regulamento). A questão poderia suscitar debates em torno da Federação, na medida em que fomentaria a exclusão de empresas de fornecimento de outros Estados. Outro possível problema seria a violação da livre concorrência e da não-discriminação para fins tributários de produtos e serviços com base na origem (desdobramentos da igualdade).
Conclusão: finalmente a era do fisco responsivo
O programa de compliance paulista Nos Conformes representa avanço significativo na relação entre fisco e contribuintes. De maneira inovadora, a Administração Tributária busca se cercar de parceiros-chave para destravar problemas, como universidades e centros de pesquisa. Pela primeira vez em espaço de tempo considerável, percebe-se efetivo e inovador movimento estatal de aproximação, com propostas concretas e frutíferas de melhoria do sistema tributário no ponto mais sensível: o trato dos contribuintes.
Iniciativas notáveis como esta do estado de São Paulo, calcadas em princípios jurídicos claros e expressos, tem o potencial de inaugurar uma nova era, pela qual outras jurisdições já trilham há mais tempo: a era do fisco responsivo. Responsivo porque responde, porque dá satisfação, porque tem responsabilidade, porque conversa com o contribuinte, entende problemas, busca soluções, age com e em prol da sociedade, construindo o tecido da legalidade concreta[8].
Clique aqui para ler o relatório de pesquisa do evento A Nova Lei de Conformidade: São Paulo na era do fisco responsivo com acesso direto aos vídeos das falas dos participantes da mesa de debates.
[1] Lei Complementar Paulista n. 1.320 de 2018: https://goo.gl/3kFZqw.
[2] Consulta pública para debater o decreto do programa Nos Conformes: https://goo.gl/jCmdzc.
[4] Relatório de pesquisa do evento “A Nova Lei de Conformidade”, p. 4.
[5] Eurico de Santi fala da ponderação dos princípios da Lei Nos Conformes: Relatório de pesquisa do evento “A Nova Lei de Conformidade”, p. 3.
[6] Rogério Ceron fala da previsão legal de colaboração fisco x universidade: Relatório de pesquisa do evento “A Nova Lei de Conformidade”, p. 11.
[7] Gustavo Vettori fala de algumas dificuldades a serem encontradas pela Lei Nos Conformes: Relatório de pesquisa do evento “A Nova Lei de Conformidade”, p. 5-6.
[8] SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Kafka, Alienação e Deformidades da Legalidade: Exercício do Controle Social Rumo À Cidadania Fiscal. São Paulo: FGV Direito SP/Revista dos Tribunais, 2014, Capítulo 1.
https://www.conjur.com.br/2018-mai-04/neffgv-lei-conformidade-bota-...
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