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Já foi dito que para atender ao conjunto de habilidades desejadas para um profissional de liderança na área de Compliance, ele precisaria ser um super-herói. Talvez seja um pouco de exagero, decorrente do status que a profissão – uma ilustre desconhecida até pouco tempo – ganhou no ambiente corporativo nos últimos anos. O desconhecimento sobre a nova função fez com que muitas empresas simplesmente não soubessem muito bem como definir as habilidades que, de fato, são importantes para que uma pessoa possa desenvolver um bom trabalho na área de Compliance.
Passado a euforia inicial, podemos dizer que alguma depuração sobre a profissão já foi feita, permitindo um olhar mais crítico sobre as competências técnicas – que podem variar de mercado a mercado – e, principalmente, as comportamentais comuns aos compliance officers de sucesso.
Por mais que as demandas e os regulamentos com os quais o profissional de compliance precisa lidar cresçam e venham ficando mais complexos a cada dia, um profissional apenas com amplo conhecimento técnico do assunto, dificilmente será bem sucedido. “Hoje, mais de 50% dos requisitos intrínsecos para preencher uma vaga em compliance são de competências comportamentais”, informa Raul Cury, sócio-fundador da Vittore Partners, uma empresa de headhunter especializada na área.
Como na maioria das empresas o departamento de Compliance costumam ter equipes de um homem só, se essa pessoa não conseguir ela mesma se desenvolver e avançar profissionalmente, o programa também não vai pra frente, deixando a companhia exposta aos dversos riscos de compliance existentes.
Para identificar quais seriam as competências comportamentais fundamentais para um líder de compliance, a psicóloga e bussines & life coach, Luciana Rocha, entrevistou mais de uma dezena de profissionais de compliance. Foram aplicados testes comportamentais que a ajudaram a mapear as características comuns a todos os entrevistados. Depois de mapeados os resultados, Luciana realizou entrevistas comportamentais e aplicou um novo teste. Findo essa segunda fase, a coach foi escutar de headhunters especializados, o que eles buscavam em profissionais para preencher as posições de compliance officer mais graduadas.
Feitas as análises e cruzamentos, Luciana identificou cinco competências comportamentais básicas, comuns aos profissionais bem sucedidos na área: diplomacia, comunicação, persuasão, resiliência e visão estratégica. “São competências focadas e que se adequam à realidade e às características da área, que tem demandas diferentes das de profissionais de Finanças ou Vendas”, explica a coach. Essa pesquisa também serviu de base para a montagem da grade dos programas de Mentoring e Compliance Coaching da LEC.
O compliance officer precisa ser, antes de tudo, um profissional de relacionamento. Para o seu trabalho na empresa ser bem-sucedido, ele vai depender e muito do trabalho de pessoas de outras áreas espalhadas por todo o negócio. É verdade que a empresa funciona como uma engrenagem na qual o trabalho de todo mundo, para fluir, depende do de ou- tras pessoas. Mas, no caso do compliance, essa dependência é realmente muito grande. E ele precisa de muita habilidade para construir uma rede de relacionamentos e engajá-la na sua causa.
Por isso que Luciana apontou a diplomacia como a competência comportamental número um para os compliance officers. “Se o profissional for um ‘trator’, querendo passar por cima de todo mundo para fazer acontecer, ele não conseguirá gerenciar conflitos e vai acabar tendo pessoas refratárias, ou mesmo atuando contra ele. Sem conseguir estabelecer parceiras, ele bota o programa a perder”, explica a coach. Em situações como essa, mesmo que o compliance officer volte atrás, ele já ficou marcado por uma primeira impressão negativa e, terá muita dificuldade para seguir daí para frente.
No auge do boom da profissão, em 2015, muita gente se deu mal por querer fazer o programa acontecer. Até porque, muitos profissionais foram contratados pelas empresas com o discurso da necessidade de estabelecer a área de compliance rapidamente, e que a empresa estava comprometida com aquilo. Para Camila Dable, associada do Salomon, Azzi, empresa de consultoria em contratação e carreiras, o desconhecimento das empresas em relação à área, fez com que muitas delas dessem muita liberdade para o compliance officer implementar o programa do jeito dele. Na medida que essa implementação avançava, do jeito que ele achava que deveria ser, é possível imaginar a quantidade de embates internos gerados por esse processo. As empresas acabavam não segurando a onda e passaram a questionar o que o profissional estava fazendo (na verdade, ele estava implementado o programa o mais rápido possível, como acreditava ser o desejo da empresa). “É uma função que demanda sensibilidade para saber qual é o momento certo de agir de um jeito ou de outro. Muitas vezes, a pessoa não tem a maturidade que a profissão exige, diz Maria Eduarda Silveiro, gerente de Recrutamento da Robert Half. Isso também fez muito compliance officer se indispor com as pessoas que o contrataram.
Na prática, esses conflitos também podem ser mitigados se as empresas que contratam têm mais clareza do que elas esperam do compliance officer e se os he- adhunters conseguem alinhar essas expectativas com as do profissional. Nas multinacionais com programas mais maduros de integridade rodando, isso acontece mais facilmente. Já nas empresas brasileiras, especialmente as que tiveram de estabelecer áreas de compliance às pressas para atender às autoridades, nem tanto. Isso porque os clientes locais ainda demandam profissionais que tenham todas as características de gente que faça acontecer. Só que essas mesmas empresas ainda não estão preparadas para isso, gerando muita frustração para o profissional. Para Maria Eduarda, embo- ra as empresas tenham mais clareza hoje sobre as funções da posição, muito ainda precisa ser desenvolvido nesse particular. Por isso, nos processos de contratação, é preciso delinear junto com o cliente as características comportamentais mais importantes para atender as necessidades daquele cliente em particular.
Mas, é verdade também que muita gente que entrou na área e não tinha tanta experiência no mercado, se desgastou por acreditar que conseguiria, realmente, implementar o programa de compliance da noite para o dia. “Por ansiedade ou insegurança, muitos compliance officers acabavam se tornando arrogantes: ‘ou vai do meu jeito ou não vai’. É preciso jogo de cintura para fazer acontecer sem ser o chato da empresa”, conta Camila. Hoje, o mercado está um pouco mais maduro e os profissionais estão entendendo que precisam comer pelas beiradas. Ainda que ansiosos por realizar o seu trabalho, eles se resguardam mais.
Ser um diplomata ajuda o líder de compliance a “dosar” melhor suas palavras, gestos e atitudes. Para Cury, o principal motivo para a presença do compliance officer nas empresas é implementar as regras e procedimentos que tornem a companhia mais transparente e ética na condução dos seus negócios. “A grande missão do profissional de compliance é buscar os meios adequados para atingir esse fim”, reforça o sócio da Vittore Partners. Tem o momento em que ele tem de ser mais duro e, eventualmente, “confrontar” gente poderosa dentro da empresa. Mas, ele também tem que ser compreensível e saber quando tirar o pé, evitando conflitos desnecessários. “É uma posição que demanda gente dinâmica. Apesar de lidar com leis e regulamentações, uma pessoa estanque, quadrada, não vai dar certo nessa área”, reforça Guilherme Nicolau, gerente de Recrutamento da consultoria Robert Walters.
Como o embaixador de tema na empresa, é importante que o líder de compliance seja um profissional que transmita credibilidade e respeito aos colegas por meio de suas ações e exemplos. Além disso, o compliance officer será um dos interlocutores da empresa sobre o tema junto ao público externo, incluindo aí diferentes órgãos reguladores e instituições públicas, o que torna ainda mais relevante a competência diplomática. “Ele tem que ter a capacidade para mudar a chave. Quando você lida com agentes públicos o posicionamento, o discurso e a postura são outros, diferentes de quando você lida com o público interno ou parceiros privados”, lembra Raul Cury.
BOM DE PAPO
Na sequência das competências, Luciana Rocha destaca as capacidades de comunicação e persuasão, que caminham de forma paralela. “Saber se comunicar bem não é igual a subir num palco e falar bonito. O bom comunicador é aquele que consegue fazer-se entender”, afirma. No caso do profissional de compliance, ele precisa ser compreendido por profissionais de diferentes níveis da empresa sobre um tema que pode ser muito chato para o público em geral. Mais chato ainda se o compliance officer for um apresentador daqueles que se esmera em ler powerpoints repleto de regas e leis. Da diretoria aos funcionários da portaria, todos precisam entender o programa de compliance da empresa, saber como ele funciona, a razão de ele existir e como ele contribui para o sucesso dos negócios da companhia. Para que os funcionários assimilem isso, é preciso que a mensagem seja passada de forma simples e objetiva, pensando na realidade de cada público. Só sendo um bom comunicador para cumprir com essa missão.
Agora, o fato de a mensagem ter sido passada, e mesmo compreendida pelo público interno, não quer dizer que as pessoas vão se “matar” pelo programa de compliance da empresa. Pode esquecer.
É aí que entra o poder da persuasão. Uma coisa é as pessoas saberem o que é o programa e, até, a importância dele. Outra, completamente diferente, é você convencer os funcionários a se engajarem. E, é isso o que o compliance officer tem de fazer na prática: convencer toda a empresa a se envolver com o programa de compliance.
FORÇA E FÉ
Se as três primeiras competências essenciais têm muito a ver com a necessária capacidade de relacionamento dos profissionais de compliance, sem as quais eles não avançam; a resiliência é a competência fundamental para que esses profissionais não esmoreçam e regridam frente às dificuldades e, principalmente, às frustrações que vão acontecer com frequência durante toda a sua vida na área.
O compliance officer quer tornar o ambiente de negócios da empresa mais ético e seguro. É algo nobre, sem dúvidas. Mas, é preciso combinar com os russos. De novo, esse é um trabalho que depende dos outros. Não adianta montar um plano e um cronograma para fazer acontecer o programa num prazo exíguo, de acordo com metas que o próprio compliance officer estipulou para ele, se as pessoas não lhe passarem as informações e responderem as suas demandas, você vai avançar muito pouco. “A pessoa vai ser colocada em situações desafiadoras. Como é que ela vai lidar com essas situações e gerenciar as expectativas do ouro lado. O profissional precisa saber se colocar nessas horas”, diz a gerente da Robert Half.
Por outro lado, essa não é uma área para pessoas brutas, como já foi dito. É preciso deixar claro que o profissional de compliance vai ter de ser forte emocionalmente para não se sentir rejeitado. Caso contrário, aos terceiros e quartos sinais de dificuldade ele vai começar a ficar angustiado e a achar que aquela empresa não quer fazer as coisas do jeito correto e que ele está ali só para falarem que a companhia tem compliance.
Pode até ser verdade (nesse caso, ele pode se valer das três primeiras competências para convencer a empresa do contrário); mas pode ser também que as empresas estejam realmente ocupadas por outras demandas mais importantes naquele momento do que atender ao complian- ce officer. “É interessante. As empresas, principalmente as que dispõem de maior controle de processos – ironicamente – são as mais engessadas nessas aplicações”, acredita Renato Villalba, gerente sênior da consultoria de recrutamento Michael Page. Isso decepciona bastante os executivos de compliance.
Apesar de o salário desse profissional ter se valorizado bastante nos últimos anos, a verba para tocar o dia a dia da operação em geral é muito abaixo do necessário, o que não é diferente de outras áreas da empresa, sob a perspectiva delas. Por isso, é muito importante também que o profissional seja disciplinado, para conseguir gerir diferentes processos e tarefas distribuídas por várias frentes.
Em muitas empresas, também é preciso passar o chapéu a cada projeto ou ação que o profissional precisa, ou quer, desenvolver naquele momento. É óbvio que é o tipo de situação que gera desgastes. “Com a resiliência e o foco na solução, o compliance oficer consegue enxergar tudo com mais clareza para trabalhar. Se a pessoa não consegue lidar com as adversidades, ela vai adoecer, literalmente”, lamenta Luciana.
HUMILDADE
Para fazer com que todas as competências acima se encaixem à quinta habilidade elencada por Luciana Rocha – e, assim como as outras, também destacada pelos headhunters – é a visão estratégica do negócio. É a partir dela que o compliance officer poderá fazer a leitura mais correta de como direcionar seus esforços para atingir os seus objetivos dentro da empresa.
Profissionais de compliance têm um senso de dever que os torna personagens sui generis dentro das corporações. E, eles são quase sempre apaixonados pela área. Isso é muito bom por um lado. Mas, por outro, se o compliance officer não tiver a humildade de se colocar em seu lugar, ou seja, se não entender que ele não é o centro da empresa (o que só acontece em situações muito críticas) e que o negócio não pode parar a toda hora para atender às suas demandas – do jeito que ele julga ser o certo – esse profissional também verá sua missão naufragar.
Um compliance officer de sucesso é aquele que entende o papel dele, a partir de uma ótica mais ampla do negócio da empresa como um todo. Aqueles que acre- ditam que a “missão dele” é tão ou mais importante que quaisquer outras necessidades do negócio, vão sofrer, e com razão. Embora já deveriam, muitos profissionais que têm chegado agora ao mercado ainda não sabem que o compliance não é a prioridade e foco da atenção diária da diretoria da empresa. E, salvo circunstâncias excepcionais, nem deveria ser mesmo. A dependência de respostas do board da empresa é desafiadora. “Quando o executivo da área não sente respaldo dos cargos de direção para o seu trabalho, isso é um fator bastante desafiador”, diz Villalba.
ANGÚSTIAS DA PROFISSÃO
Com essas habilidades, um profissional tem condições de avançar com o seu trabalho em qualquer empresa com menos esforço. Já quem não tem uma ou mais dessas habilidades desenvolvidas também pode chegar lá. Mas, com muito mais sofrimento profissional e pessoal.
Cada uma dessas competências tem uma razão de ser para o compliance officer. Elas não são exatamente as mesmas requeridas de outras posições. Um diretor financeiro pode viver em conflito constante com áreas como Marketing e Vendas. Não é uma posição que demanda tanto a competência da diplomacia. Até porque ele não depende dessas áreas para executar o seu trabalho. Já um compliance officer, se entrar em conflito com qualquer área da empresa, vai ter problemas no futuro.
Além de tudo, a pressão sobre ele (não raramente feita por ele mesmo) é muito grande. Isso gera muita ansiedade. “A decisão que ele tomar vai trazer impactos negativos para o negócio? Vai gerar conflito com alguma área? Ele tem que pensar muito estrategicamente e ser um grande enxadrista para entender como defender a empresa a partir de uma ótica mais ampla e não apenas da sua”, pontua Camila, do Salomon, Azzi.
Muitas vezes, o trabalho da área de Compliance implica em estabelecer mudanças importantes no modus operandi do negócio e que vai impactar as estruturas e, também, a cultura da empresa. Quando essas mudanças são feitas à força por necessidade e determinação da própria empresa, o choque é ainda mais forte e radical. “É preciso muita habilidade para convencer o público da empresa de que todas aquelas mudanças são para o bem”, reforça Raul Cury.
O compliance officer não pode acreditar que as pessoas têm que lhe acompanhar só porque “ele faz o cer- to”. Por isso, a capacidade de se comunicar e de persuadir são tão importantes; e, para o sócio da Vittore Partners, esses são dois gaps que ele ainda enxerga na média dos profissionais de compliance. Obviamente, ele tem de conseguir isso sem perder de vista a razão pela qual a área existe. “Ele não poderá, em nome da tentativa de construir o bom relacionamento entre as áreas, desviar-se do seu foco de atuação. Esse é o viés comportamental mais sabotador”, acredita o gerente da Michael Page.
Os compliance officers também demonstram dificuldade para lidar com profissionais de diferentes perfis comportamentais. “Eles são muito by the book, no sentido de que o que é certo é certo, errado é errado. Isso faz com que eles tenham certa dificuldade para entender o porquê de as pessoas não lhes atenderem, não res- ponderem seus questionamentos dentro dos prazos”, conta Luciana.
QUALQUER UM PODE SER COMPLIANCE OFFICER?
Agora que você já sabe quais são as competências essências para um compliance officer. Fica a questão: qualquer pessoa pode desenvolver essas competências? Luciana explica que já está provado que, até os 25 anos, as pessoas têm todas as habilidades. O que muda é o quanto cada uma dessas competências está desenvolvida naquele momento da vida. “Todo mundo tem um perfil comportamental que é um retrato de como a pessoa está naquele momento”, diz Luciana, que reforça que esse é justamente o papel de quem atua com coaching: desenvolver essas competências.
E vale a pena seguir investindo nessa formação profissional. Camila Dable, diz que na Salomon, Azzi, os negócios em compliance avançaram quase 30% em 2017. Ela acredita que, mantido o ritmo de crescimento, em três ou quatro anos, tendo como base o quadro atual de formação de profissionais, o mercado não vai conseguir preencher essas posições com pessoas dentro do perfil adequado. Já Guilherme, da Robert Walter, vê o mercado caminhar para o equilíbrio só mais à frente. “Não tenho dados concretos, mas se tivesse que te falar com base na minha percepção, diria que o mercado deve encontrar o equilíbrio entre oferta e demanda em cinco anos”, pontua.
Independentemente disso, na prática, o trabalho dos profissionais de compliance não vai ficar mais fácil. Então, o melhor mesmo é se preparar de forma adequada para não sofrer com o trabalho no futuro.
Publicado originariamente na Revista LEC, edição n.º 21.
http://www.lecnews.com.br/blog/compete%CC%82ncias-para-o-sucesso-da...
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