Blog da BlueTax moderado por José Adriano
Blog da BlueTax
Por Karina Lignelli
No início do ano, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) revelou que os cofres públicos perdem até R$ 40 milhões por ano com o desfalque provocado pelos devedores contumazes. Desse montante, apenas 28,3 mil - ou 1% dos inscritos na Dívida Ativa da União - devem acima de R$ 15 milhões, e respondem por 62% do passivo total.
Para aprimorar as estratégias de cobrança desse grupo, em março último a equipe econômica do governo enviou ao Congresso o PL 1646/2019, que estabelece medidas de combate ao devedor contumaz e ainda tramita na Câmara, em Brasília. Em outubro passado, o relator, deputado Artur Oliveira Maia (DEM-BA), afirmou que o texto deve estabelecer a diferença entre o devedor de má-fé e o de boa fé, que fica inadimplente por dificuldades financeiras temporárias.
Os efeitos nefastos dessa prática, que afeta a concorrência e impede a entrada de novos players no mercado - como a redução artificial de preços (para suprimir tributos), que proporciona ganhos rápidos e expressivos para poucos - e a diferenciação entre os inadimplentes com a União foram tema da palestra "Devedores Contumazes: PL 1646/2019", apresentada pelo professor Hamilton Dias de Souza, especialista em direito tributário pela USP, na reunião do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação (Caeft), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), realizada na última segunda-feira (11/11),
Souza, que também é membro do Caeft e do Conselho Consultivo do Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial), citou um famoso levantamento da consultoria KPMG que mostra essa interferência dos tributos entre a concorrência - como a indústria automobilística, por exemplo, beneficiada com desoneração de imposto de 12% e uma lucratividade na casa de 1.850%. Sem a redução, porém, com a incidência da alíquota de 18%, esse lucro unitário ficaria em apenas 0,4%.
"O que pretendo demonstrar sobre como um tributo interfere enormemente na concorrência é que ele deve ser considerado principalmente na relação que existe entre a carga tributária e sonegação ou não recolhimento de impostos", afirmou ele, citando como exemplo setores onde são comercializados grandes volumes de produtos com margem de lucro reduzida, alta carga tributária e índice de inadimplência significativo com a União - caso de cigarros, combustíveis e refrigerantes.
O primeiro, com alíquota de impostos de 80,42%, está inscrito na dívida ativa com um débito de R$ 32 bilhões, segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Já o segundo tem 44% de carga e deixa de pagar R$ 4,8 bilhões ao ano, afirma a FGV. Por último, os fabricantes da bebida, com 46,47%, acumulam dívidas de R$ 4 bi só no Estado de São Paulo (PGE).
A movimentação informal desses bens, baseada em uso abusivo de medidas judiciais, subfaturamento, contrabando e descaminho, que segundo dados da Etco movimentou R$ 983 milhões em 2016, levanta o problema de como enfrentar essa questão, que virou assunto do Supremo Tribunal Federal (STF) através de diversas súmulas (70, 323 e 547).
"Na essência, o conteúdo delas vai no sentido de que não podem haver medidas coercitivas para forçar o pagamento de tributos que ferem a livre iniciativa e o devido processo legal", afirma. "Mas elas não se aplicam se houver indicação clara de que exista uma atividade organizada a fim de não pagar tributos", completa Souza.
Ou seja, empresas ou estruturas empresariais que usam a inadimplência sistemática como vantagem concorrencial - e ilícita, o que distingue o devedor contumaz dos demais. "Mas o que afeta as legislações estaduais, nesse caso, é definir o que é protegível e o que não é", destaca. Por isso a importância de fazer a separação desses devedores em três tipos.
QUEM SÃO ELES
No caso dos devedores eventuais e reiterados, ambos atuam em atividades econômicas lícitas. Ao primeiro, que não está sujeito a regimes especiais de tributação e, quando não paga tributos geralmente é por dificuldades financeiras, aplicam-se procedimentos normais como inscrição em dívida ativa, protesto ou execução.
Já o reiterado não paga por dificuldades duradouras ou circunstâncias do negócio - como preferir cumprir obrigações com fornecedores ou bancos. "Sua conduta afeta o equilíbrio do mercado, porque em algum tempo ele pode usar essa prática como instrumento concorrencial (como diminuição de preços)", explica o professor.
Porém, ele ficará sujeito a regimes especiais de controle e fiscalização ininterrupta. "Mas o PL é muito interessante, já que determinadas medidas não são tão radicais, como a cassação de cadastro, e sim a suspensão, com controle especial de recolhimento e de informações econômicas, patrimoniais e financeiras", afirma.
Quanto ao devedor contumaz, conforme dito enteriormente, é o caracterizado pela atividade ilícita, ou seja, que tem organizações estruturadas para não pagar tributos, com capital insuficiente mas que aumenta sua competitividade via economia tributária ilegítima, e enriquece ilicitamente em setores competitivos devido ao desvio de demanda.
"Nesse caso, cabe a cassação de inscrição, o cancelamento de autorizações para funcionamento, observada a proporcionalidade e o devido processo legal", destaca o professor Souza, que também é fundador do Dias de Souza Advogados Associados.
Mas o mais importante, segundo ele, é a aplicação da regra da proporcionalidade - ou seja, da diferenciação entre os devedores para aplicar as sanções específicas, já que, maioria das leis estadual - como a de São Paulo e do Rio Grande do Sul, por exemplo - violam essa regra, já que alcançam todos os tipos de devedores. Inclusive os eventuais.
Nesse caso, outro PLS - o 284/2017, da senadora Ana Amélia (PP-RS) - é compatível com essa regra pois, além do alcance geral (tributos federais, estaduais e municipais), já faz distinção entre os três tipos de devedores - ao contrário do PL 1646/2019, que ainda inclui apenas o contumaz e tem alcance restrito (só tributos federais), lembra Souza.
Ele cita uma decisão do ex-ministro Joaquim Barbosa de 2013, que diz que, para a norma ser válida, deve se apresentar como "mecanismo de proteção contra a resistência obstinada e infundada ao pagamento de tributos." "O PLS 284 é forte no Congresso por exigir observância estrita ao processo penal, e esse seria o momento ideal para que fosse aprovado", conclui.
A reunião do Caeft foi comandada por seu coordenador geral, Luís Eduardo Schoueri, advogado tributarista e vice-presidente de Relações Jurídicas da ACSP, além da presença do 1º vice-presidente Roberto Mateus Ordine.
O debate contou ainda com a participação do especialista Hugo de Brito Machado Segundo, doutor em direito constitucional e professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.
https://dcomercio.com.br/categoria/leis-e-tributos/devedor-contumaz...
© 2024 Criado por José Adriano. Ativado por
Você precisa ser um membro de Blog da BlueTax moderado por José Adriano para adicionar comentários!
Entrar em Blog da BlueTax moderado por José Adriano