Sábado, 05 de Setembro de 2009 | Versão Impressa
Clóvis Panzarini*
Os recorrentes embates federativos em matéria tributária levam à convicção de que impostos do tipo valor agregado, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), são inadequados para figurar na competência tributária subnacional. A insegurança jurídica decorrente das disputas entre Estados e a ofensa aos princípios da isonomia e da eficiência têm sido apontadas como principais razões para a reforma tributária.
Muitas vezes, operação de circulação de mercadorias que envolve mais de um Estado deixa o contribuinte sem alternativa: qualquer que seja sua interpretação da legislação, desgostará uma das partes e acabará sendo vítima de ação fiscal decorrente desses conflitos. O exemplo da importação de gás natural da Bolívia é eloquente: o fisco de Mato Grosso do Sul entende que o ICMS relativo a essa importação lhe pertence porque o gasoduto - e portanto a mercadoria - ingressa no Brasil por sua fronteira. Os Estados consumidores, de outro lado, entendem que, como o estabelecimento destinatário da mercadoria está situado em seus territórios, a eles pertence o imposto, como determina a Constituição Federal (art. 155, §2º, XII, a). O contribuinte importador, então, ou paga duas vezes o mesmo imposto ou será multado por uma das partes da pendenga: pelo Fisco do Estado da entrada física da mercadoria (MS) ou pelo Fisco do Estado de destino dela.
Esse problema não é incomum em importações de mercadoria desembaraçada num Estado e destinada a estabelecimento situado em outro. Implica enorme insegurança, custos advocatícios e, em alguns casos, agressão ao princípio da não-cumulatividade, o que debilita a competitividade de empresas que dependem dessas operações.
Outro foco de insegurança jurídica decorre da guerra fiscal. Ainda que a legislação nacional que disciplina a concessão de benefícios de ICMS (Lei Complementar - LC - nº 24/75, instituída para regular os benefícios fiscais de ICM, depois ICMS) seja clara e preveja penas duras por seu descumprimento, a totalidade dos Estados a ignora solenemente. Tal lei estabelece que qualquer benefício de ICMS deve ser aprovado pela unanimidade dos Estados, membros do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), e a inobservância dessa regra resulta em nulidade do ato concessivo do benefício e ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria. Em outras palavras, se o fornecedor de mercadoria, porque detentor de benefício irregular, não recolheu o imposto, o Fisco do Estado de destino irá exigi-lo de seu cliente, com os acréscimos legais, para neutralizar os efeitos do benefício espúrio e reequilibrar a concorrência.
Compreensivelmente, nenhum Estado exige reposição de ICMS nas aquisições de mercadoria de fornecedor local quando este também está subsidiado ilegalmente. Ninguém pune o próprio pecado! A cruel lógica da LC 24/75 para inibir a guerra fiscal é constranger seus beneficiários punindo - ou exterminando - seus clientes: o Fisco do Estado destinatário da mercadoria subsidiada "atira" contra seu próprio contribuinte, esperando que a "bala" (o auto de infração) ricocheteie no apaniguado fornecedor interestadual.
Surge aí enorme insegurança jurídica para todos os que, conscientemente ou não, adquirem mercadorias com preços supostamente contaminados por benefícios fiscais concedidos no âmbito da guerra fiscal. Nesse contexto, contribuintes de ICMS têm sido punidos por autos de infração milionários, que impugnam créditos relativos à aquisição de mercadorias em operações interestaduais, e os tribunais administrativos - que se arvoram em julgadores da constitucionalidade daqueles créditos - os têm julgado procedentes. Não é improvável que os tribunais judiciais também o façam. A guerra fiscal agride então, primeiro, a sadia concorrência e, depois, a segurança jurídica daqueles que nada têm que ver com as mamatas tributárias. Enquanto a reforma tributária não vem, os contribuintes, por conta desses conflitos, convivem com regras obscuras, indecisões - ou decisões esdrúxulas - dos tribunais e, muitas vezes, truculência do Fisco. Mas qualquer proposta de reforma que propugne o deslocamento da competência do ICMS para a União resultará natimorta, pois os Estados, é óbvio, não aceitarão a perda de seu principal tributo, ainda que a receita do imposto federalizado lhes seja integralmente repassada.
*Clóvis Panzarini, economista, sócio-diretor da CP Consultores Associados, foi coordenador tributário da Secretaria da Fazenda paulista. Site: www.cpconsultores.com.br
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090905/not_imp429837,0.php
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