Negligência do governo limitará o crescimento nos próximos anos
André Sacconato e Felipe Salto
10/09/2009
A crise inflacionária dos anos 80 mostrou que a irresponsabilidade fiscal pode levar um país a 20 anos de crescimento limitado e hiperinflação
Aprendemos duas grandes lições com a histórica crise de 1929 e com a espiral inflacionária do Brasil na década de 80. Não nos esqueçamos de nenhuma das duas. A primeira mostrou que, em ocasiões especiais, é possível utilizar a política fiscal para reerguer uma economia que não tem mais a política monetária como instrumento, dado que o país caiu na armadilha da liquidez. A segunda mostrou que a irresponsabilidade fiscal pode levar um país a 20 anos de crescimento limitado e hiperinflação. O que não se pode fazer é confundir as lições.
Voltemos, então, à primeira. Dado que é possível fazer política fiscal anticíclica, como ela deve ser feita? A resposta é simples, mas sua implementação não é trivial. O caminho passa por aumentar gastos apenas enquanto durar a crise, e além disso os recursos devem estar primordialmente direcionados a investimentos em infraestrutura que contribuam para aumentar a produtividade do capital privado.
Mais do que isso, o investimento público em infraestrutura é crucial para ampliar o crescimento potencial, desde que aliado a políticas públicas focadas na geração de uma educação de qualidade, única via para ampliar a produtividade do trabalho. Evidente que há gastos de custeio que são necessários, mas há um sério problema de otimização na utilização e direcionamento dos recursos públicos.
Quais são as prioridades e os objetivos de médio e longo prazo? Como e quanto investir ou gastar para compor uma máquina eficiente e que não atrapalhe ou ocupe o lugar do setor privado no PIB?
Essas são questões que o governo está negligenciando, o que limitará, claramente, o crescimento nos próximo anos. Quando comparamos o peso do consumo do governo brasileiro no PIB com o de outros países, chegamos a um quadro preocupante e para o qual não há justificativas ou explicações plausíveis. Enquanto o Brasil tem um consumo do governo que ocupa 20,2% do PIB, o México, por exemplo, carrega um governo de 10,3% do PIB; a Índia, 11,1% do PIB; a Argentina, 13,4% do PIB; o Chile, 12% do PIB; a Venezuela, 11,3% do PIB; e a China, 13,9% do PIB.
A situação é ainda pior quando comparamos tais dados aos patamares de formação bruta de capital fixo (investimentos) sobre o PIB, que apontam o Brasil com um nível relativamente bem mais baixo. Aqui, a formação bruta de capital fixo tem um peso de 19% do PIB; no México, 22,1% do PIB; na Índia, 34,6% do PIB; na Argentina, 19,2% do PIB; no Chile, 24% do PIB; na Venezuela, 19,7% do PIB; e na China, 40,9% do PIB. Apesar de alguns deles possuírem um patamar muito próximo ao do Brasil, como a Argentina, quando observamos também o consumo, a discrepância volta a valer.
O importante e favorável ao crescimento é que os investimentos ocupem um lugar relativamente maior, no PIB, em relação aos gastos do governo. No Brasil, os patamares são muito próximos. Isto significa que, se conseguíssemos ser mais eficientes na gestão pública, conseguiríamos ampliar a formação bruta de capital fixo, tanto por meio do próprio investimento público, quanto do aumento do investimento privado.
Mas o que efetivamente prende o país a esse padrão ruim de atuação do setor público? Em grande medida, a resposta circunda dois âmbitos: má gestão e regras que incentivam e realimentam a ineficiência e a postergação de reformas como a previdenciária e a tributária, que permitiriam alterar os padrões de direcionamento dos recursos públicos.
A solução para os problemas do primeiro tipo consiste na reforma do Estado, na execução de ajustes fiscais rigorosos, aperto de cintos, ou seja, tangencia menos questões econômicas e mais administrativas e gerenciais. A partir de 1995, com o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), iniciou-se uma tentativa de promover tais mudanças. No entanto, apesar dos avanços, continuamos à espera de governos mais atentos aos propósitos estabelecidos à época e cuja responsabilidade concentrou-se, após a extinção do Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare), no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Também nos Estados e municípios já ocorreram mudanças importantes, como no caso de Minas Gerais e de São Paulo, com a adoção de novas práticas na administração pública e da utilização de novas tecnologias de informação para reduzir custos de transação. Mas ainda permanecemos muito distantes do ideal, que seria um movimento de mudança, liderado pela esfera federal, que efetivamente reassumisse os compromissos firmados anteriormente.
Já a solução para os problemas do segundo tipo reside na promoção de reformas econômico-fiscais que permitam ampliar o espaço para implementar gastos bons, minimizando os ruins. Em outras palavras, reformas que permitam gerar espaço para ampliar investimentos e reduzir ao máximo o peso da máquina pública. Mais do que isso, reformas para colocar em prática os objetivos do país de curto, médio e longo prazo, com prioridades que sejam de conhecimento público e privilegiem o desenvolvimento econômico e social.
O primeiro governo Lula, por meio do Ministério da Fazenda e do alinhamento que existia entre esse ministério e o Planejamento, conseguiu promover mudanças que conduziram à redução de gastos com funcionalismo, por exemplo, em uma tentativa de mudar o padrão do gasto. Hoje, os números mostram que tal avanço foi temporário, uma vez que as despesas desse tipo já recuperaram trajetória de alta.
Enquanto não houver comprometimento com o crescimento econômico de longo prazo, pautado em objetivos suprapartidários que componham uma nova agenda para o país, não haverá mudança. Prevalecerão os mesmos problemas estruturais, principalmente no âmbito fiscal.
A estratégia fiscal utilizada neste último ano, travestida de anticíclica, está prejudicando os objetivos de longo prazo de crescimento sustentável, levando o próximo governo a enfrentar certamente problemas sérios, como o previdenciário e o do avanço preocupante da máquina pública, tornando-os muito mais próximos de seu horizonte decisório. Tal fato não é condição suficiente para que haja mudanças já nos próximos cinco anos, mas é um indicativo de que as pressões para que ocorram certamente serão maiores. Neste ponto, a equivocada estratégia deste ano cobrará seu preço.
André Sacconato é mestre e doutor em Teoria Econômica pelo IPE-USP e analista da Tendências Consultoria.
Felipe Salto é graduado em Economia pela EESP/FGV e analista da Tendências Consultoria
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