Fisco "blinda" grandes grupos em ano eleitoral

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Receita Federal decidiu delimitar a fiscalização de grandes contribuintes no ano eleitoral. Portaria sigilosa editada às vésperas do Natal, à qual a Folha teve acesso, centraliza o controle de auditorias em Brasília, reduz a autonomia dos fiscais pelo país e evita surpresas ao governo como as com a Ford e o Santander em 2009.
Autuados em R$ 1,2 bilhão e R$ 4 bilhões, respectivamente, a montadora e o banco foram ao Planalto reclamar. Na ocasião, o ministro Guido Mantega (Fazenda) ficou contrariado com a magnitude das multas, num período de recuperação da economia, mas nada pôde fazer, pois as punições já haviam sido formalizadas.
A portaria RFB/Sufis de nº 3.324, de 23 de dezembro passado, praticamente elimina a possibilidade de o governo ser pego de novo de surpresa.
Agora, o comando da Receita selecionará previamente grandes empresas que serão fiscalizadas. A lista será feita pelo órgão central do fisco, em Brasília, e por superintendentes (cargos de confiança nomeados pelo secretário da Receita).
Nenhuma das delegacias fiscais pelo país poderá agir isoladamente contra grandes contribuintes que não estiverem na relação -se tiverem novas suspeitas, terão de submeter os nomes aos superiores.
O subsecretário de Fiscalização da Receita, Marcos Vinícius Neder, autor da portaria, diz que as medidas têm caráter técnico, seguem padrão internacional adotado por países como EUA e Japão e que a centralização aumentará o alcance das auditorias, garantindo proteção aos direitos dos contribuintes. "Não adianta querer fiscalizar os grandes, é preciso saber fiscalizar os grandes", disse.
Além da portaria, serão criados dois escritórios especificamente para cuidar de grandes autuações, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro, que devem entrar em funcionamento nas próximas semanas.
Até agora, a Receita funcionava de forma bem diferente. As delegacias elaboravam suas próprias programações de fiscalização e nunca precisaram enviar a Brasília ou superintendências a relação de seus alvos.
A sede da Receita costumava só dar diretrizes de fiscalização. Muito raramente estabelecia empresas e pessoas físicas a serem auditadas -geralmente por determinação externa, como da Justiça ou do Ministério Público Federal.
As novas regras do fisco valem tanto para grandes empresas (faturamento bruto em 2008 superior a R$ 80 milhões, entre outros quesitos) quanto para pessoas físicas (rendimento anual acima de R$ 1 milhão).
A portaria entrou em vigor na data de sua edição. Em ano de eleição presidencial, portanto, a Fazenda e o Planalto poderão saber de antemão quem será fiscalizado -e quando e como isso será feito.
O documento não foi publicado no "Diário Oficial da União" e não consta da página da Receita na internet, ao contrário da praxe. Foi incluído apenas na intranet do órgão.

Autonomia
A Folha ouviu fiscais em diversas cidades. Muitos ainda não sabiam do alcance das novas regras. Todos as criticaram, com expressões como "limitar", "inibir", "engessar" e "retirar a autonomia" de seu trabalho. Na sua opinião, eles passarão a fazer apenas relatórios e a cumprir ordens de cima.
Alegam que o delegado (autoridade local do fisco) e os auditores conhecem as empresas de sua jurisdição e normalmente sabem quais precisam ou não passar por auditoria.
Outro ponto levantado pelos fiscais é o risco de vazamento da lista produzida em Brasília -o que traria constrangimentos a contribuintes e à Receita.
Até este ano, como os dados não eram centralizados, nunca houve uma relação de toda a programação de fiscalização do país. Os dados eram tratados de forma restrita e independente por cada uma das delegacias e unidades especiais.



Governo tentou interferir no fisco ao menos quatro vezes

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo tentou interferir nos trabalhos de fiscalização da Receita Federal em pelo menos quatro grandes casos entre o final de 2008 e meados do ano passado: Ford, Santander, Petrobras e nas empresas da família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Os dois últimos episódios tiveram ampla repercussão no ano passado. Em relação à montadora americana e ao banco espanhol, a Folha revela agora informações inéditas. A começar pelos valores dos autos de infração sobre as duas empresas, de R$ 1,2 bilhão e R$ 4 bilhões, respectivamente.
No caso da Ford, a ingerência partiu do ministro Guido Mantega. Em abril do ano passado, Mantega pediu informações à cúpula do fisco sobre uma auditoria na unidade da montadora na Bahia. Recomendou cuidado no trabalho dos fiscais. Semanas depois, a Receita autuou a fabricante de automóveis, alegando utilização indevida de incentivos fiscais. A reportagem falou com três pessoas que participaram das conversas sobre o episódio, sob a condição de não terem suas identidades reveladas.
Contaram que Mantega e o secretário-executivo do ministério, Nelson Machado, pediram com todas as letras que a cúpula da Receita tentasse reverter a multa. O ministro argumentou que um auto daquele valor, em ano de crise global, iria dificultar novos investimentos da montadora no país. No caso do Santander, executivos do banco levaram as reclamações sobre a ação da Receita diretamente ao Planalto. Mais uma vez, as queixas chegaram aos ouvidos de Mantega. No final de 2009, a Folha questionou o ministro, que não negou as conversas no fisco.
"Converso com o secretário da Receita sobre várias empresas. Não posso declinar publicamente as empresas. Há empresas autuadas, multadas, que reclamam, que acham que foram injustiçadas ou que estão sofrendo alguma coisa. É natural que a gente converse, dentro da preservação do sigilo fiscal", disse na época. "Conversei sobre várias empresas. Mas não houve mudança de procedimentos, sobre nenhum caso."
O episódio da família Sarney ganhou dimensão nacional por conta do embate entre a ex-secretária do fisco Lina Maria Vieira e a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Em entrevista à Folha, a ex-secretária disse que a ministra havia lhe pedido, numa reunião a sós no Palácio do Planalto, para "agilizar" a fiscalização nas empresas do senador, o que Lina entendeu como um recado para encerrar logo a investigação. Dilma negou o pedido e o encontro.
Ainda na gestão de Lina, o fisco aplicou um auto de infração bilionário na Petrobras. O presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, foi ao presidente Lula dizer que a multa era um absurdo. Semanas depois, Lina foi demitida do cargo. Procurados, Ford e Santander não se manifestaram. (LS)

Colaborou CATIA SEABRA, da Reportagem Local




Centralização eleva eficácia, afirma Receita

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Marcos Vinícius Neder, 51, subsecretário de Fiscalização da Receita, diz que a centralização da programação de auditorias melhorará o índice de acerto do órgão, que já é de 90%. Isto é, hoje, de cada 10 fiscalizações, em 9 os contribuintes são autuados.
"Eu preciso de setores que trabalhem essas informações [dados dos contribuintes], para que o fiscal, ao sair para a fiscalização, saia com efetividade, para não perturbar aquele que tem suas contas em dia, aquele bom contribuinte", disse Neder à Folha.
Para ele, as delegacias do fisco não podem trabalhar isoladamente na programação das fiscalizações e precisam ter maior integração com as superintendências regionais e a sede. "Por que é importante isso? Porque é muita informação. Tenho que ter etapas, tenho primeiro que definir os setores mais estratégicos, que volume de informações eu tenho, trabalhar esses dados e definir os contribuintes."
A portaria RFB/Sufis 3.324/2009 prevê a seleção das fiscalizações dos grandes e médios contribuintes para este ano e também para 2011. "Não quero melhorar o meu índice de acerto? Então preciso da informação antes."
Para Neder, as críticas partem de quem desconhece o assunto. "Vou controlar com metas um setor que não era tão controlado antes, que é o setor da programação [da fiscalização]." Ele rebateu afirmações de que as medidas não foram debatidas e disse que houve duas reuniões com fiscais sobre o assunto no ano passado.





Fonte: Folha de S.Paulo

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Comentário de José Adriano em 25 fevereiro 2010 às 21:09

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