São Paulo, terça-feira, 06 de outubro de 2009
Operação-piloto no Distrito Federal multa cerca de 700 contribuintes em R$ 150 mil e deve ser estendida a Estados
Ilegalidades mais comuns encontradas por fiscais foram nas deduções de gastos com educação, saúde e previdência privada
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A Receita Federal decidiu apertar o cerco contra fraudes em deduções do Imposto de Renda (IR) praticadas sobretudo pela classe média.
Operação-piloto iniciada em Brasília pela área de inteligência do fisco começou a apresentar os primeiros resultados no mês passado, com autuações ao redor de R$ 150 mil por contribuinte. Há casos, contudo, superiores a R$ 400 mil, de acordo com documentos obtidos pela Folha.
A ação do fisco já foi estendida a vários Estados, mas o trabalho nas outras cidades está numa fase mais inicial. No Distrito Federal, numa primeira leva, já foram multadas aproximadamente 700 pessoas. A operação será ampliada na capital do país no ano que vem.
Os valores dos autos de infração são proporcionalmente elevados (para pessoas físicas), devido às quantias sonegadas (sobre as quais são aplicadas multa e juros) e ao período de abrangência da fiscalização, que compreendeu os anos de 2004 a 2008.
Esse trabalho da área de inteligência da Receita vem sendo gestado desde 2007, quando auditores pegaram panfletos distribuídos perto da sede do Banco Central, em Brasília, com anúncios de serviços para aumentar a restituição do IR.
A operação foi conduzida paralelamente à política que a ex-secretária Lina Vieira havia começado a implementar no final do ano passado, de priorizar a fiscalização sobre os grandes contribuintes.
A Receita permite às pessoas físicas abater do IR despesas com saúde, educação e previdência complementar de si próprios ou de seus dependentes. Quanto mais altas as deduções, menor o imposto a pagar.
Os auditores em Brasília identificaram que muitas pessoas forjavam gastos dentro dessas três modalidades para aumentar os valores de restituição do imposto. Houve até quem inventasse filhos trigêmeos para justificar lançamentos fictícios.
A restituição do IR ocorre quando a soma do tributo pago pelo contribuinte ao longo do ano supera o valor efetivamente devido, gerando assim um saldo a ser devolvido pelo governo.
Servidores
A maioria dos autuados na capital do país é de servidores públicos, incluindo funcionários do Poder Executivo, do Congresso, do governo do Distrito Federal, da Polícia Civil e membros das Forças Armadas.
No ano passado, foi instaurada uma investigação para apurar o caso. Os fiscais chegaram a grupos especializados em assessorar contribuintes que desejavam aumentar a restituição do IR. Os serviços eram oferecidos principalmente a servidores públicos.
A partir da identificação desses esquemas, a Receita passou a fazer diversos cruzamentos de informações em seus sistemas, o que permitiu selecionar milhares de declarações com indícios de irregularidades.
De um modo geral, a Receita delineou quatro grupos de fraudes.
No primeiro, os sonegadores lançavam pagamentos para Fapi (Fundo de Aposentadoria Programada Individual), que permite deduções da base de cálculo do IR.
Contudo, no lugar de informar o CNPJ da entidade de previdência encarregada de administrar o produto, o contribuinte repetia o CNPJ de seu empregador. Ou seja, as despesas com o fundo de aposentadoria eram falsas, pois o Fapi não existia.
No segundo grupo, os fraudadores informavam CNPJs de seguradoras conhecidas no mercado, como Sul América e Unimed, porém os planos de previdência e de saúde e os valores descontados eram fictícios.
No terceiro, havia deduções forjadas de diversas naturezas, mas com valores muito próximos informados por vários contribuintes e com as respectivas declarações de renda entregues a partir de um mesmo IP (número de identificação de um computador ligado à internet) -uma quadrilha especializada em fraudar o IR prestou serviços para várias pessoas.
O modo de atuação do quarto grupo era semelhante ao do terceiro, porém com uma particularidade: quantidade significativa de dependentes declarados como nascidos no mesmo dia. "Para ampliar o limite de dedução com educação, saúde e dependentes, são inseridos filhos fictícios, tornando-se comum declarações que contêm filhos gêmeos e trigêmeos", informa relatório de inteligência do fisco ao qual a Folha teve acesso.
A partir da experiência adquirida em Brasília, a Receita decidiu expandir para o resto do país o formato de fiscalização.
Juíza autoriza quebrar sigilo de envolvidos
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As fraudes em deduções do IR detectadas pela Receita Federal viraram inquérito na Polícia Federal para apurar crimes de estelionato e contra a ordem tributária em decorrência de falsas informações prestadas ao fisco, entre outras ilegalidades.
No dia 27 de abril deste ano, a juíza substituta da 12ª Vara Federal em Brasília, Pollyanna Martins Alves, expediu mandados de busca e apreensão em escritórios e residências de várias pessoas acusadas de envolvimento em esquemas de restituição do IR.
Ela autorizou também a quebra do sigilo fiscal dos suspeitos e a análise dos discos rígidos dos computadores apreendidos.
"Tal providência se justifica na medida em que comprovará a possível participação de terceiros na fraude, bem como permitirá a identificação e a oitiva de outras pessoas que, voluntária ou involuntariamente, tenham participado do esquema de restituição indevida de IR, para posterior devolução dos possíveis valores recebidos de forma fraudulenta à Fazenda Nacional", escreveu a juíza.
saiba mais
"Parâmetros" ajudam fisco a pegar sonegador
MARCOS CÉZARI
DA REPORTAGEM LOCAL
A legislação do IR permite que o contribuinte abata, na declaração anual, valores referentes a despesas com saúde, educação, previdência oficial e privada, dependentes etc. Alguns abatimentos têm valores fixos, enquanto outros são ilimitados.
Ao mesmo tempo em que permite tais abatimentos, a Receita fica de olho nos contribuintes que ultrapassam os limites permitidos, ou seja, aqueles que "aumentam" as deduções para restituir mais ou pagar menos. Para isso, o fisco fixa alguns "parâmetros" visando apanhar os que tentam ludibriá-lo.
Por meio desses "parâmetros", dá para a Receita saber se algum contribuinte está tentando levar vantagem. No caso dos dependentes, por exemplo, é difícil hoje algum contribuinte ter mais do que três ou quatro -mulher, filhos e pais. Assim, se algum contribuinte listar cinco ou mais dependentes, sua declaração irá automaticamente para a malha fina.
Quanto às despesas médicas, não há limite. Entretanto, por meio do "parâmetro", a Receita sabe quem provavelmente está "gastando mais do que devia". Para isso, é definido um valor anual -por exemplo, quem abater mais do que R$ 15 mil fica na malha fina. Esse é só um exemplo, pois o "parâmetro" pode ser R$ 18 mil, R$ 20 mil, ou outro qualquer.
No caso da previdência privada, o abatimento está limitado a 12% da renda anual. Valores acima disso não são proibidos, pois o programa da Receita faz o cálculo do abatimento automaticamente. Mas, se o valor informado for muito elevado, o contribuinte poderá ser chamado para prestar informações.
Fonte: Folha de S.Paulo
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