ICMS é o grande desafio da reforma tributária

Por Sonia Filgueiras e Edla Lula

Faz parte da rotina de trabalho do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, a interlocução com o setor produtivo.

É a partir desse conjunto de dados e informações que ele sustenta seu otimismo em relação ao presente e ao futuro das taxas de investimento. Para ele, o próximo motor do crescimento é a agenda de concessões e, seu grande obstáculo, a reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS): "Esse é o grande desafio".

O senhor tem demonstrado otimismo em relação à elevação da taxa de investimento. Por que?

Temos insistido na ideia de que a taxa de investimento no Brasil já cresce de maneira bastante consistente. É só examinar dados e comparações internacionais. Nas comparações internacionais, a taxa de investimento no Brasil está bem acima da média que se observa no mundo. A média mundial está em torno de 3% e, no Brasil, na faixa de 5,6%. A taxa de investimento no Brasil cresce quase o dobro da média mundial.

Chamo a atenção para o fato de que, pelas suas características - espelha atividades de médio e longo prazo - as comparações também devem ser históricas. Uma média de dez anos é razoável. Quando observamos a evolução histórica da taxa do Brasil, mais uma vez, verificamos que o crescimento econômico médio dos últimos dez anos (até o final de 2012) é de 3,6% e o investimento cresceu 5,7%, enquanto a expansão do consumo foi de 4,3%. Já é uma característica da economia brasileira.

Não é natural um país emergente como o Brasil ter taxas de expansão do investimento maiores que países desenvolvidos?

Uma expansão de 5,7% não é desprezível, em hipótese alguma. Ao contrário, é uma taxa muito positiva. E antecipo uma pergunta sobre o tema: "Mas a taxa de investimento em relação ao PIB não está crescendo muito, há um movimento de acomodação?" De fato, ela não está crescendo muito em relação ao PIB, mas se deslocou de 15%, 16% ao ano para a 19%, 19,5%. E, agora, está retomando esse patamar.

Além disso, acontece no Brasil um fato interessante, pouco discutido: a redução do preço relativo do investimento. Há uma literatura que pergunta por que o Brasil não crescia até o início dos anos 2000. Uma das explicações consideradas mais sólidas aponta que o preço relativo do investimento no país era muito alto. Ou seja, era mais caro investir que comprar bens diversos.

Nos últimos anos, houve uma queda muito acentuada no preço relativo do investimento. É precioso levar em conta o comportamento do deflator do investimento. O preço do investimento no Brasil tem caído em relação aos preços da economia. A curva, inclusive, está muito acentuada.

Seria em decorrência do comportamento dos preços ou de medidas do governo?

Em grande parte, por conta de políticas focadas na redução de custos de investimento, que começam a fazer efeito. Praticamente não temos IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para bens de capital, adotamos medidas de depreciação acelerada e gerais de desoneração para investimento e para produção no país.

Há críticas segundo as quais o Brasil ainda teria um custo elevado de investimento em comparação a outros países.

Não creio nessa justificativa. O Brasil está recebendo entre US$ 60 bilhões e US$ 65 bilhões em Investimentos Estrangeiros Diretos (IED). No ano passado, foi o terceiro maior receptor de investimentos.

O setor automotivo, por exemplo, está revendo suas previsões de investimento: de acordo com a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o setor está prevendo investir não mais R$ 65 bilhões, mas R$ 72 bilhões até 2016. Trata-se provavelmente de um dos maiores volumes de investimentos do setor automotivo em comparação a outras praças internacionais.

O setor de agronegócios tem nos informado grandes volumes de investimento - também na faixa de bilhões. Temos ainda os tradicionais setores de energia, petróleo e gás; de exploração de biomassa; as Pequenas Centrais Hidrelétricas; as concessões. O Brasil é uma praça de investimentos muito forte.

A taxa de investimento que se tem hoje certamente não é a ideal. Qual seria a meta?

Essa questão não está muito resolvida. Não existe uma métrica. É muito comum a frase: "Seria preciso que o Brasil tivesse uma taxa de investimento de 25% para crescer 5%". Mas o Brasil já cresceu em torno de 5% com uma taxa de investimento em 19%. Essa é uma discussão quase eterna...

A presidente Dilma tem citado os 25% como meta.

Todos nós gostaríamos de ter taxas de investimento maiores em relação ao PIB. O importante é entender que pelo efeito deflator, como eu falei - o investimento vai ficando cada vez mais mais barato em relação ao resto - há um esforço ainda maior para que ela cresça em relação ao PIB. É uma questão técnica, mas precisa estar colocada.

Além disso, é preciso considerar a característica do investimento brasileiro. A capacidade do Brasil de deslocar sua taxa de investimento hoje é ainda maior que no passado, porque o país colocou na agenda a chamada construção civil pesada - a infraestrutura - que representa 45% da Formação Bruta de Capital Fixo, uma parcela muito relevante. Adicionalmente, o Brasil tem uma capacidade de produção de bens de capital muito grande, que não deve muito aos padrões médios internacionais.

De acordo com a Pesquisa Industrial Mensal (IBGE), em junho a produção de bens de capital cresceu 18% em relação a junho de 2012. Temos uma necessidade de investimento em construção civil pesada, e mesmo na construção civil em geral, em infraestrutura econômica e social. Em 2006 se colocou o PAC e a agenda do crescimento emergiu. Agora, temos uma agenda de concessões com imensas oportunidades e um volume muito grande de investimento em infraestrutura.

Qual a sua expectativa em relação à agenda de concessões?

O acompanhamento que fazemos nessa área nos deixa bastante otimistas. Os balanços, não só dos calendários, mas também dos players interessados, têm sido muito positivos.

Analistas e investidores citam a insegurança jurídica como um gargalo à expansão nos investimentos. Qual sua avaliação?

A nossa agenda microeconômica andou muito rapidamente. Acabamos de implementar o cadastro positivo, definimos um regime de investimentos em debêntures e em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, implantamos medidas de estímulos à renegociação de dívidas bancárias, instituímos o chamado valor incontroverso para todas as operações de crédito no Brasil, que tornou-se lei em maio deste ano e é apontado pelo setor como uma das medidas mais importantes dos últimos anos para a qualidade do crédito.

Criamos o Crescer - o microcrédito produtivo orientado -, o regime previdenciário para os servidores públicos, que melhorará a solvência da Previdência no tempo, implantamos várias simplificações tributárias e a devolução imediata de créditos tributários. Todas essas medidas, tomadas nos últimos dois anos, melhoram a qualidade do ambiente de negócios. São poucos os países do mundo que têm tantas oportunidades de negócio em um ambiente democrático.

A carga tributária não seria um gargalo?

Nós reduzimos a carga tributária no Brasil, aumentamos de forma considerável as desonerações tributárias. Mas, ao mesmo tempo, ocorre um fenômeno muito importante: o país tem elevado fortemente a formalização. A base de arrecadação vem aumentando de forma muito importante. Não só empresas estão se formalizando, o trabalho também. A base de contribuição previdenciária vem se expandindo, tanto que o déficit da previdência caiu de 1,3% para 0,9% do PIB. Pode não se sentir uma queda expressiva da relação carga tributária sobre o PIB, mas é porque a base de arrecadação aumentou consideravelmente.

O que mais pode ser feito na área tributária?

O maior desafio é a reforma do ICMS. Não é do governo apenas, é do Brasil, de todos os entes da federação. São 27 legislações de ICMS, alíquotas diferentes, créditos tributários não reconhecidos e créditos tributários não devolvidos. Trata-se de uma grande tarefa do país. O Executivo fez a sua parte: encaminhou uma minuta de resolução ao Congresso propondo a convergência dessas alíquotas no tempo, acompanhadas do fundo de compensação e de um fundo de desenvolvimento regional.

Um desafio ou uma utopia? Porque o projeto não tem consenso, está parado no Congresso...

É o desafio de uma sociedade democrática como a brasileira, que tem regiões muito distintas, disparidades regionais, grande diversidade e ocupa um país das dimensões do Brasil.

Para crescer os investimentos seria necessário um novo balanceamento, com, por exemplo, menos foco no consumo?

A dinâmica da economia brasileira é a de expansão dos investimentos a taxas superiores às do PIB e às do consumo, e deve continuar assim. O investimento depende da demanda e só há demanda porque houve emprego, aumento de rendimento, mercado de consumo, e, em consequência, incentivo para investir. É um ciclo virtuoso e é essa a dinâmica que interessa para a economia brasileira. Trata-se de projeto puxado pelo investimento, sustentável no longo prazo.

Os mais críticos afirmam que, apesar da maior presença do BNDES, a taxa de investimentos não subiu e a atuação do banco estaria sendo ineficiente. O BNDES está expulsando investimentos privados?

Vou dar um exemplo a partir da produção de bens de capital. Iniciamos o ano de 2012 com o estoque relativamente alto e o nível de utilização da capacidade relativamente baixo. Os estoques foram caindo ao longo do ano e a utilização da capacidade foi subindo - é exatamente esse o movimento se examinarmos os gráficos. No final do ano, as empresas captaram junto ao BNDES um volume considerável de recursos para a produção de bens de capital. A prova disso, é a elevação da produção de bens de capital no primeiro semestre do ano. No próximo dia 30, teremos a divulgação do PIB do segundo trimestre. Ele deverá trazer uma taxa de investimentos bem relevante no primeiro semestre. O BNDES ajuda a posicionar taxas de investimento, o que é importante para manter o dinamismo econômico.

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