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O valor da auditoria interna |
Área evoluiu no Brasil, mas ainda não atingiu o status desejável num país que hoje é visto como polo de investimentos internacionais POR LUCIA REBOUÇAS
A globalização cada vez maior dos mercados vem exigindo a reconfiguração de estruturas empresariais, com destaque crescente para áreas de controles de risco, como a de auditoria interna, que ganhou projeção no âmbito organizacional. No Brasil, essa área já passou por uma grande evolução, mas ainda não é opinião corrente que já tenha atingido o status desejável para a realidade atual, quando o País se transformou em umas das principais alternativas de investimento. A questão foi o ponto principal dos debates do XI Congresso Febraban de Auditoria Interna, Compliance e Gestão de Risco, realizado no início de outubro, em São Paulo.
Na abertura do evento, Wilson Levorato, diretor-geral da Febraban, mencionou a relevância do Brasil como um grande polo de investimento internacional e defendeu “a interação dessas áreas, para eliminar as falhas de cobertura de gestão de risco e buscar soluções e parceiros de qualidade”. Consultores e especialistas indicaram que é preciso ir além.
O congresso discutiu bastante a necessidade da interação entre a auditoria interna, compliance e gestão de riscos, disse Elder Aquino, diretor da empresa de consultoria KPMG no Brasil, que participou da organização do evento. Na sua opinião, essas áreas precisam, sim, trabalhar de forma integrada para garantir melhor segurança dos processos, com um alinhamento de ações em prol da melhoria dos controles internos e sem perda de independência com a sobreposição de papéis.
No entanto, segundo o consultor, existe uma questão bastante importante que precisa de mais atenção: a relação entre o conselho de administração e a auditoria interna. “É preciso que o conselho de administração aproveite melhor o suporte de informação da auditoria interna nas tomadas de decisão. Ela pode contribuir bastante e com visão independente.” O diretor da KPMG acrescenta que a auditoria interna é essencial para o adequado gerenciamento de risco da organização.
Em sua apresentação durante o congresso, Silney Souza, executivo da Ernst & Young, destacou que, munida dos recursos certos, a auditoria interna conseguirá auxiliar diretamente a companhia a atingir seus objetivos empresariais. “É certo que a administração gerencia seus riscos e possui controles próprios; contudo, cada vez mais, a área de auditoria interna vem desempenhando um papel consultivo de forma mais ativa, disse ele. “Os auditores internos vêm apresentando recomendações que agregam valor para a companhia, além de identificar fraquezas e propor melhorias no desenho e eficácia operacional de processos e controles.”
Para que a auditoria exerça um novo papel é preciso também que o profissional tenha um novo perfil. Para Aquino, o auditor interno precisa ter cabeça mais estratégica e pensar fora da caixinha, olhar para frente, ter multidisciplinaridade de conhecimento para melhor atuar dentro da equipe. “Precisa contribuir para que a auditoria seja mais tempestiva para comunicar rapidamente os problemas encontrados e evitar que os riscos se alastrem dentro da organização.”
Pesquisa recente, intitulada “Forbes Insights” e realizada pela Ernst & Young Terco, mostra como a questão está sendo avaliada pelos executivos. Dos 547 membros de diretoria e de comitês de auditoria de empresas de atuação global em 26 setores econômicos, com faturamento igual ou superior a US$1 bilhão, 96% dos participantes indicam que a área de auditoria interna tem importante papel a desempenhar nos trabalhos de gestão de risco global. No entanto, somente 44% dos entrevistados acreditam que a auditoria interna tem contribuído para que a organização atinja objetivos de negócio e percentual ainda menor (37%) afirmou envolver a auditoria interna nas principais decisões e estratégias empresariais.
Ainda segundo a pesquisa, 60% dos participantes do setor de bancos e mercado de capitais afirmaram que sua área de auditoria interna foi muito eficaz ao ajudar a empresa a enfrentar a recente crise financeira e 74% dos participantes acreditam haver espaço para implantar melhorias, sendo que praticamente todos os entrevistados que buscam tais melhorias acreditam que isso deve acontecer nos próximos 12 a 24 meses.
Quando a pergunta era sobre investimento para a melhoria dos serviços de risco, só 14% dos participantes de bancos e empresas de capital aberto responderam que estão destinando um orçamento mais alto para a auditoria interna. Os dados da pesquisa foram coletados em maio de 2010. Do total de participantes, 57 (10%) dos participantes eram do setor de bancos e mercados de capitais.
Auditoria contínua
Na avaliação de Aquino, para que a auditoria interna se renove no aspecto de gestão e análise de risco, não adianta mais, por exemplo, ter um ciclo de visitas nas áreas. “É preciso ter ferramentas de auditoria contínua que permitam o monitoramento das transações e processos críticos on-line ou real time se for possível. A auditoria tem de estar próxima do evento para detectar e reportar os problemas para a administração resolver.”
O Itaú Unibanco já está implantando projetos-piloto para auditoria contínua de indicadores de movimento e auditoria de controle interno. Os projetos fazem parte das modificações que vêm sendo feitas para aprimorar a estrutura de controles do banco. O trabalho está sob o comando de Ricardo Baldin, que atua há 21 anos com auditoria interna e há um ano ocupa o cargo de vice-presidente de auditoria do Itaú Unibanco.
“Já tínhamos dentro de casa um sistema homologado que era conhecido. Não precisamos comprar coisa (software) nova. Optamos por fazer treinamento para sua utilização.” Atualmente, o Itaú é reconhecido como benchmark no mercado na área de auditoria interna, diz o vice-presidente de auditoria. “Temos recebido visitas de outros bancos e empresas, inclusive do exterior, para ver o que estamos fazendo.”
Segundo Baldin, seu trabalho no Itaú começou por uma grande revisão na metodologia, adaptando-a ao Coso ERM, a mais importante instância mundial em controles internos. “Entre os objetivos das modificações estão: ter o maior número possível de respostas sobre as decisões dos trabalhos de auditoria; buscar implantação de gestão de conhecimento para fornecer informação para toda a área de auditoria, dar foco em auditoria de projetos que são elaborados para incentivar em melhorias na organização, como processos de mudança na tesouraria, controladoria, tecnologia”, observa.
Para fazer as modificações só foram necessários novos investimentos na compra de unidade de disco e servidor. “Não contratamos mais pessoas. O grupo tem hoje 340 funcionários.”Em vez de ir ao mercado buscar profissionais, o banco optou por formá-los. “É difícil encontrar pessoas que atendam a todos os processos. Por isso estamos atuando forte na preparação de estagiários. Em um ano formamos um auditor júnior que entra na empresa já produzindo.”
Visão holística
Apesar da evolução fenomenal, as auditorias ainda têm função voltada para o passado. Analisa o que aconteceu e reporta. Agora, a auditoria interna ideal precisa ter uma visão holística da empresa. Além de olhar para trás, precisa olhar para frente e se aproximar mais da gestão e dos movimentos estratégicos para contribuir mais preventivamente, diz Aquino.
Para Souza, já não basta mais aos auditores internos concentrar seus esforços ao atendimento às exigências de compliance e controles internos. No ambiente atual, caracterizado por uma concorrência cada vez maior, as empresas querem mais do que serviços confiáveis e auditorias eficientes, desejam poder recorrer à auditoria interna em busca de ideias que questionem as práticas atuais e resultem em melhorias contínuas no desempenho do negócio, acrescentou.
Para atingir o estado desejado da área no futuro, a auditoria interna terá de desenvolver um plano que estabeleça a sequência de etapas e prioridades de forma adequada, conforme a apresentação de Souza. “Faz-se necessário ainda identificar os objetivos de negócio, as ações e a assistência com a implantação. Deverá também considerar a possibilidade de desenvolver um documento para atribuição de valor, destinado a viabilizar a mensuração qualitativa e quantitativa do desempenho da auditoria interna e do valor sugerido à organização.”
Resistência ao comitê
Outra discussão bastante acalorada na área de gestão de risco é a questão da subordinação direta da auditoria interna dentro da hierarquia administrativa da empresa. As boas práticas de governança mandam que ela responda diretamente a um comitê de auditoria, vinculado por sua vez ao conselho de administração. Nas instituições financeiras, o comitê de auditoria é obrigatório para aquelas que tenham apresentado no encerramento dos dois últimos exercícios sociais patrimônio de referência (PR) e/ou administração de recursos de terceiros em montante igual ou superior a R$ 1 bilhão; ou somatória das captações de depósitos e de administração de recursos de terceiros em montante igual ou superior a R$ 5 bilhões, conforme determinação do Banco Central.
Nas companhias abertas ainda não é obrigatório e há, inclusive, certa resistência a sua adoção. O principal empecilho ainda é o custo. “É preciso ter membros independentes no comitê, o que encarece sua manutenção”, cita o diretor da KPMG. Outro motivo contra é a percepção de que não há diferença entre o comitê de auditoria e o conselho fiscal existente nas empresas. De acordo com Aquino, essa é uma visão equivocada. “O comitê é mais extensivo em suas funções que incluem avaliar a auditoria interna, os consultores, os auditores externos e os controles internos. O conselho fiscal não tem essa atribuição, está mais voltado para aspectos contábeis e fiscais.”
Em recente votação para alterar os regulamentos de listagem de empresas nos níveis diferenciados de governança corporativa (Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado), realizada pela BM&FBovespa, a exigência de um comitê de auditoria – composto por no mínimo três membros, eleitos pelo conselho, sendo, no mínimo, um conselheiro independente, com prazo para constituição do órgão de três anos – foi reprovada. Foram 61 votos contra de empresas listadas no Novo Mercado, sete de empresas do Nível 2 e 21 do Nível 1. Conforme os regulamentos em vigor, as alterações somente podem ser adotadas se não houver manifestação contrária de mais de um terço das companhias listadas em cada segmento. Ou seja, até 35, para o Novo Mercado, no máximo 11 para o Nível 1 e até 6 para o Nível 2. Acima destes números, a proposta de alteração é reprovada.
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