O peso dos tributos federais na conta de energia dobrou nos oito anos do governo Lula. A cada R$ 100 pagos em 2002, quase R$ 7 iam para a Receita Federal. Agora, em uma conta no mesmo valor, a fatia é de R$ 14.
O aumento dos tributos federais só não foi ainda maior porque nesse período a CPMF, que tinha peso de meio ponto percentual na conta, foi extinta.
A carga tributária total do setor elétrico saltou de 35,9%, em 2002, para 45% em 2008, segundo estudo da PricewaterhouseCoopers e do Instituto Acende Brasil.
Nesse período, a arrecadação cresceu 115%, ao passar de R$ 21,4 bilhões para R$ 46,2 bilhões -resultado de mais de 20 tributos e encargos sociais e setoriais.
"É um abuso arrecadatório. O setor elétrico virou um varal onde se pendura todo tipo de encargo", diz o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales.
Todos os tributos tiveram aumento de participação na fatura de energia, mas o maior peso recai sobre o PIS/Pasep e a Cofins, cujo regime de cobrança mudou entre 2002 e 2004.
"Antes era 3,65% em toda a cadeia de forma cumulativa. Mudou para incidência não cumulativa. Teoricamente, era para ser melhor, mas acabou subindo para 9,25% do total", diz Sales.
Durante a campanha, a presidente eleita, Dilma Rousseff, prometeu acabar com o PIS/Cofins sobre o setor elétrico, de saneamento e também transportes.
Mas a Folha apurou que no governo essa hipótese é considerada inviável, pois poria em risco o equilíbrio das contas. Isso porque os dois tributos são recordistas em crescimento de arrecadação em 2010, com alta de 18% sobre o ano anterior, em média. E respondem por 33,83% do total de tributos administrados pela Receita.

JUSTIÇA
A cobrança do PIS/Cofins no setor elétrico foi questionada judicialmente, mas em setembro o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu pela legalidade da cobrança.
Consumidores questionaram o repasse às faturas. Para eles, as concessionárias deveriam absorver sozinhas o aumento do custo com a mudança do regime de tributação. Se as empresas de energia perdessem a disputa, teriam de devolver cerca de R$ 27,5 bilhões aos clientes.
Mas não só os tributos federais pesaram no bolso do consumidor de energia elétrica. Cerca de 14 encargos, exclusivos do setor, estão embutidos nos preços da energia elétrica.
Alguns deles já deveriam ter sido extintos, mas foram prorrogados. A RGR (Reserva Global de Reversão), por exemplo, já foi estendida uma vez e a previsão é que acabe no fim deste ano. Como financia o programa Luz Para Todos, que foi prorrogado para o próximo ano, deverá ser estendida também.
Outro exemplo é a CCC (Conta do Consumo de Combustível), usada para subsidiar a tarifa da região Norte, onde a geração é térmica. Em vez de ser extinta, a cobrança praticamente dobrou de 2009 para 2010.
Outro fator que tem impacto nas tarifas é o custo do sistema de transmissão, que cresceu 500% em dez anos. Esse foi o preço para expandir a malha nacional, já que em 2001 o Brasil sofreu um "apagão" porque não tinha transmissão suficiente para trazer energia do Sul para o Sudeste.

Câmara pode elevar ICMS na conta de luz

Projeto de Lei que impõe a tributação de ICMS em todas as fases do setor elétrico pode ser votado na terça-feira


Setor elétrico lança vigília para barrar iniciativa; líderes do PT e do PSDB dizem à Folha que tema será retirado

AGNALDO BRITO
DE SÃO PAULO

Um acordo de líderes partidários na Câmara dos Deputados ameaça levar a votação na próxima terça-feira o PLP 352/2002 a partir do qual, pelo texto atual, muda a forma de cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre energia elétrica.
A medida faria parte da agenda apresentada pelos novos governadores para obtenção de mais recursos para o caixa dos Estados.
Pelo texto, o ICMS passará a ser cobrado em todas as fases do setor elétrico, da produção da energia na usina, passando pela transmissão e comercialização, até o consumidor final. Hoje, o tributo, com o qual os 27 estados arrecadam R$ 23 bilhões por ano, incide apenas na conta de luz.

PROMESSA
Os líderes do PSDB (João Almeida-BA) e PT (Cândido Vaccarezza-SP) na Câmara dos Deputados afirmaram à Folha que esse dispositivo do projeto de lei será retirado e substituído por outra emenda na terça-feira, quando o PLP irá a votação após aprovação do regime de urgência.
Segundo os dois parlamentares, no lugar da proposta entrará uma emenda que posterga por dez anos o direito ao crédito de ICMS por estabelecimentos que utilizem bens e insumos como energia elétrica e serviços de comunicação.
Pela Lei Kandir (Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996), os estados teriam de conceder esse crédito a partir de janeiro de 2011, o que representaria novas desonerações e redução da arrecadação para os Estados.
Embora os líderes prometam não mexer na forma de tributação do ICMS na energia elétrica, a medida substitutiva não deixa de também retirar um direito dos consumidores.

MOBILIZAÇÃO
Mas mesmo com a promessa dos líderes de não votar a mudança, as associações de consumidores e produtores de energia elétrica decidiram manter a mobilização contrária a qualquer alteração. Uma reunião entre associações do setor elétrico com sede em Brasília está marcada para esta segunda.
A Folha apurou que gestões junto ao governo já foram iniciadas. Procurado, o Ministério de Minas e Energia informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que está acompanhando o assunto, mas não irá se pronunciar "até a sanção presidencial".
Segundo o presidente da Abiape (Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia), Mário Menel, a tramitação rápida do PLP 352/2002 pegou o setor elétrico de surpresa.
A avaliação preliminar das entidades (Apine, Abraceel, Abragel e Abrace) é a de que, se for aprovada, a lei vai elevar a carga tributária sobre o consumo de energia elétrica.
Segundo levantamento do Instituto Acende Brasil, a carga tributária consolidada sobre o setor elétrico brasileiro é de 45,08%.
"Ainda não sabemos o impacto, mas é certo que ao aplicar o ICMS em todas as fases da cadeia o resultado será o aumento de carga. Isso é mais um ato contra a competitividade", diz. Menel afirma que as entidades tentarão calcular esse impacto antes da eventual votação.

O QUE PODE MUDAR
NO TRIBUTO ICMS


COMO É HOJE
A alíquota de ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, é aplicada sobre o consumo e quem paga é o consumidor final

COMO PODE FICAR
Caso o projeto seja votado, aprovado e sancionado, o ICMS passaria a ser aplicado em todas as fases do setor elétrico, da produção da energia na usina, passando por transmissão, comercialização, distribuição e consumo final. Agentes do setor afirmam que a mudança implicará aumento da carga tributária sobre eletricidade

QUANTO SE ARRECADA
Os 27 estados arrecadam R$ 23 bilhões em ICMS sobre a conta de luz, cerca de 10% de toda a arrecadação com esse tributo no país. O ICMS é a principal receita dos Estados


ANÁLISE

Pela transparência e eficiência dos impostos na conta de luz


CLAUDIO SALES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Difícil acreditar, mas, ao longo de décadas, foram embutidos na tarifa de eletricidade 23 tipos de impostos e 13 tipos de encargos por iniciativa dos poderes Executivo e Legislativo, representantes do povo brasileiro.
São 36 rubricas -desde as mais "clássicas", como PIS/ Cofins e ICMS, até as menos conhecidas, como a RGR [usado pelo Luz para Todos], a CCC [que custeia a térmicas na Amazônia] e o ESS [que banca a geração térmica para economia de água nas hidrelétricas].
Todas demonstram que a tributação sobre a energia elétrica nunca foi baseada em princípios de eficiência e de transparência.
Há múltiplos tributos para os mesmos fatos geradores e bases de cálculo. Há múltiplos encargos para a mesma finalidade. Recursos de encargos são aplicados para objetivos outros que os de suas finalidades originais. Todos cobrados de forma indireta e camuflada na conta de luz.
O resultado desta prática foi uma brutal sobretributação do setor elétrico: a carga tributária sobre a conta de luz é de 45%, enquanto que a carga tributária sobre a economia como um todo é de 35%.
A sobretributação sobre o setor elétrico acontece porque os "representantes do povo brasileiro" sabem que a energia elétrica, serviço universalizado e de ampla base de arrecadação, permite coletar muitos recursos de maneira dispersa e pouco visível, despertando pouca ou nenhuma resistência dos contribuintes. Afinal, quantos consumidores sabem que terão pago mais de R$ 45 bilhões em tributos e encargos na conta de luz em 2010?
Mas há alternativas simples e rápidas para diminuir a tributação sobre o setor elétrico. Merecem destaque duas propostas: 1) Reduzir as alíquotas de PIS/Cofins sobre a conta de luz; 2) Cumprir a lei e acabar com a cobrança, em 31 de dezembro de 2010, da RGR (Reserva Global de Reversão), um encargo criado em 1957 e que perdeu a razão de existir.
Esse é o momento ideal para implementar tais propostas. Em outubro, a presidente eleita deu a seguinte declaração: "Estou assumindo um compromisso de redução inclusive no sentido de zerar, tanto o PIS/Cofins de energia, como o de transporte e o de saneamento".
Compromisso assumido.
Se for cumprido, ganharão todos os brasileiros cansados de ver sua conta de luz funcionar como guichê arrecadador de impostos.

CLAUDIO J. D. SALES é presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

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