31/08/09 - 00:00 > INFORMÁTICA

SÃO PAULO - Práticas de governança corporativa e de gestão de risco são fundamentais para uma empresa estabelecer-se no mercado internacional de maneira sólida e com credibilidade. Mesmo em uma economia estável jovem como a brasileira, esses processos tendem a amadurecer e a se fortalecer de forma a tornarem-se tão importantes como o próprio core business da companhia. Estas afirmações de Waldemir Bulla, sócio diretor da consultoria Protiviti Brasil, demonstram a importância de processos transparentes para uma boa atuação no mercado.

Bulla destaca ainda outras vantagens da governança. "Uma empresa é como uma pessoa: se você é uma pessoa que tem uma vida correta, quando vai ao banco pegar um empréstimo tem mais facilidade de conseguir melhores taxas ou um valor maior", exemplifica. Segundo ele, a governança permite que, com mais transparência, a empresa alcance mais respeito dos investidores, tanto locais como internacionais.

Bulla participou do programa "Panorama do Brasil", em entrevista aos jornalistas Roberto Müller e Márcia Raposo, diretora de Redação do DCI, e ao representante da rádio Nova Brasil FM, Milton Paes. Acompanhe os principais trechos da entrevista.

Roberto Müller: Somos um país realmente preparado para enfrentar um mundo globalizado, regulamentado, com boas práticas de governança corporativa?

Waldemir Bulla: Eu acho que nós temos de contextualizar o cenário. O Brasil, como eu sempre falo, é um país jovem em termos de globalização. Temos, aproximadamente, 20 anos de abertura econômica e então as práticas de governança, na minha opinião, estão evoluindo bastante.

É evidente que alguns setores estão mais preparados do que outros, mas, sem dúvida, hoje existe uma preocupação muito forte com governança corporativa. Eu sempre falo que governança e gerenciamento de riscos são fatores de vantagem competitiva para as empresas. Quando me perguntam por que implementar boas práticas de governança ou por que gerenciar riscos, eu digo que isso significa dinheiro no bolso.

Uma empresa é como uma pessoa: se você é uma pessoa, um profissional, que tem uma vida correta, quando vai ao banco pegar um empréstimo, ou alguma coisa do tipo, tem mais facilidade de conseguir melhores taxas ou um valor maior. A governança corporativa permite isso, que você consiga ter mais transparência, visibilidade, consiga mais respeito dos investidores, tanto locais como internacionais.

O Brasil está evoluindo bastante. O que eu tenho visto nessa experiência de mais de 20 anos é que realmente as empresas estão preocupadas com isso, principalmente porque, quando você vive em um ambiente globalizado, os requisitos internacionais e as boas práticas têm de estar inseridos no contexto das empresas.

Milton Paes: Como é essa questão nas empresas familiares? Elas estão percebendo cada vez mais as necessidades da governança corporativa? A visão das empresas familiares vem mudando ou ainda há aquela visão de administração de pai para filho?

Waldemir Bulla: Há uma evolução bastante interessante. Nós temos feito vários trabalhos para empresas familiares justamente para estruturar seu modelo de governança e deixar a empresa preparada para o seu crescimento, independentemente do modelo de negócio que ela tem.

As empresas familiares estão preocupadas em ter os quesitos de governança tal como se fossem uma empresa não familiar, porque elas conseguem perceber que vão ter uma vantagem. Ficam mais preparadas para uma eventual aquisição, para uma eventual fusão e até para serem adquiridas. Nós tivemos vários casos em que fomos contratados para arrumar a casa, ou seja, para preparar a empresa visando não só a que ela tenha uma estrutura melhor, mais enxuta, mais bem controlada, mas também com vistas a que ela seja, lá na frente, adquirida.

Márcia Raposo: Algumas empresas brasileiras grandes e de capital aberto têm surpreendido o mercado fortemente porque acabam revelando que tudo o que era bom não era tão bom assim. E são empresas que têm o crivo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Bolsa de Valores. O caso mais recente de que eu consigo me lembrar é a Sadia, que anos atrás fez uma proposta para comprar a Perdigão - e em seguida ela acabou sendo comprada. E a Sadia é uma empresa que está na Bolsa com governança corporativa e tudo mais. O que acontece com essas empresas grandes para que elas surpreendam desse jeito os investidores?

Waldemir Bulla: Eu acredito que a grande questão é ter indicadores do seu negócio de forma a que se consiga controlar e administrar o seu apetite por risco. O caso que nós vimos da Sadia é um caso em que, apesar de todas essas regras e de todas essas características de empresa aberta, o apetite por risco foi um pouco além daquilo que deveria ser. Ou seja, todas as empresas precisam ser ousadas nas suas operações, independentemente de serem listadas [na Bolsa de Valores] ou não. É evidente que quando a empresa é listada há um compromisso maior para com o público, já que é uma empresa transparente, uma empresa aberta. Um caso desses reforça a necessidade de que em primeiro lugar se tenha maior transparência nos processos, além de passar indicadores muito claros ao mercado de até que ponto a empresa está se expondo ou não. O exemplo do tamanho da alavancagem que ela tinha em relação aos derivativos era uma coisa muito preocupante. Talvez um pouco de ganância, enfim...

Roberto Müller: Mas aí falharam os mecanismos de transparência e as relações com investidores?

Waldemir Bulla: Eu acho que faz com que se volte a isso. Hoje todo esse cenário faz com que esses mecanismos sejam aprimorados e sejam mais transparentes.

Roberto Müller: Essas questões de transparência, governança e sustentabilidade vinham crescendo no Brasil, e a há uma discussão. Em meio à crise, há custos para manter as regras de governança, de boas práticas e de sustentabilidade. A crise e o aperto financeiro deverão aumentar a preocupação com a governança corporativa e com a sustentabilidade, ou diminuí-la e haver um certo relaxamento por falta de recursos?

Waldemir Bulla: Eu acho que não, volta à tona, esse assunto é reforçado.

Márcia Raposo: A crise expõe mais a empresa sob esse ponto de vista?

Waldemir Bulla: Ela faz com que você olhe melhor esses assuntos de governança, porque foi uma exposição muito forte, um baque muito forte, então precisa reforçar essa prática.

Milton Paes: Poderíamos dizer que essa crise serviu para que as empresas reavaliassem uma série de práticas e de questões? Se considerarmos a questão da Sadia, se não tivesse ocorrido crise, não teria ocorrido a fusão?

Waldemir Bulla: Sem dúvida, eu tenho certeza disso. Toda crise serve para refletir. Representa um ponto de reflexão na governança das empresas, elas têm de parar para olhar para si próprias e melhorar suas práticas de controle sobre operações sensitivas, processos de gestão de riscos, para saber até que ponto o apetite financeiro pode ir e até que ponto essas empresas estão pondo em risco os ativos da empresa. Também expõe a necessidade de que os executivos, os conselhos e os comitês estejam mais atentos a isso. É um ponto de reflexão positivo, um momento em que realmente a governança corporativa e a gestão de riscos exigem uma reflexão maior.

Roberto Müller: Essa questão da governança corporativa das empresas de capital aberto, listadas na Bolsa, nos Estados Unidos, era -ou é- levada tão a sério que as empresas abertas são chamadas de públicas. Qual é o limite da transparência? Hoje, a CVM discute se os executivos devem ter o seu salário e bônus revelados aos investidores. Então até que ponto se pode ir, qual é o limite da transparência das empresas abertas aqui no Brasil?

Waldemir Bulla: Existem regras para transparência e modelos que eu já acho que são bastante suficientes se aplicados e observados na forma como estão instituídos. A questão da transparência passa, na minha opinião, pelo core business da empresa. Muitas vezes, quando você é acionista de uma empresa, compra as ações porque a empresa é líder do setor. De repente, ela começa a fazer operações diferentes e você se pergunta se ela é um banco ou uma indústria. Essa é uma transparência importante. A questão das ofertas públicas iniciais (IPO) é bastante discutida porque muitos bancos auxiliam as empresas no IPO e acabam emprestando o dinheiro da oferta, e, quando você compra a ação dessa empresa, vai pagar uma parte da dívida com esse banco. Isso é comunicado, todo mundo sabe.

Roberto Müller: Isso é transparente?

Waldemir Bulla: É comunicado, todo mundo sabe. Talvez precise ser revisto. Na realidade, você está colocando um dinheiro parte do qual vai ser destinada a pagar o empréstimo com o banco financiador do IPO. Isso é uma prática que já existe e que pode ser discutida. Mas temos instrumentos no Brasil bastante interessantes em relação à transparência das empresas. Informações com relação ao trabalho de auditoria, ao trabalho de governança corporativa, enfim, aprimoramentos sempre vai haver.

Mas está ligado ao negócio da empresa e ao que ela está se propondo fazer. A crise contribuiu para que saíssemos de uma economia derivativa e caíssemos em uma economia real. E, cada vez mais, é importante que as empresas focalizem o seu core business. Se ela é boa naquilo, vai crescer naquele negócio, sem dar grandes tiros.

Roberto Müller: Com as taxas de juros que vinham sendo praticadas é difícil resistir, para quem tem sobra de caixa, a se comportar como um banco.

Waldemir Bulla: Isso é o apetite por risco. Mas tem de ver até que ponto se pode ir.

Márcia Raposo: O que nós temos visto neste momento de globalização forçada, de fora para dentro, do País, é que as empresas médias são as que mais estão se mexendo agora. As grandes já tinham uma interface muito grande com o exterior. Mas nós vemos que aquelas empresas médias que têm um importante potencial de crescimento do seu negócio estão procurando muito o trabalho de consultores e auditores. Você sentiu isso? Vê isso no mercado ou é apenas uma questão pós-crise?

Waldemir Bulla: O middle marketing é uma realidade, e boa parte do País está embasada nessas empresas. E, sem dúvida, se esse pessoal não se preparar, não evoluir, eles vão ter problemas. Assim sendo, há uma preocupação com evolução e com melhores práticas no mercado médio, com relação à governança e aos riscos. Isso é uma tendência e nós estamos vivenciando bastante os seus exemplos. Temos feito trabalhos para empresas familiares, médias, laboratórios farmacêuticos médios. Está todo mundo procurando melhorar a sua estrutura de administração de controles de governança.

Existem algumas ações do governo que favorecem a necessidade de se melhorar e de se mexer com isso, como, por exemplo, o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), que, na realidade, além de atender a uma necessidade fiscal, obriga a empresa a rever os seus processos. E quando você faz isso, identifica oportunidades de melhoria, de racionalização e de eficiência. Essas ações, ainda que impostas, têm um lado benéfico que, se bem aproveitado pelas empresas, pode melhorar a sua eficiência, melhorar os seus controles, não apenas atender a um requisito legal. Agora a gente vem com o SPED Contábil e Fiscal que é um passo para uma reforma tributária mais ampla, e para que as empresas tenham essa oportunidade.

As empresas médias, em função da própria globalização, não podem ficar de fora, têm de se modernizar. Quem não se modernizar não vai sobreviver. Depois da crise, existem as oportunidades disfarçadas. Ou seja, quando não há crise, todo mundo ganha; e, depois de uma crise, conseguimos ver quem é quem na economia.

Um exemplo que nós podemos citar publicamente é o da Gol. Quando houve aquele problema nos Estados Unidos, em 11 de setembro, o ramo de aviação passou por um período muito difícil. A tendência normal seria de tirar as atenções. A Gol comprou aviões, aproveitou um momento em que o cenário estava propício para negociações, preparou-se e, quando houve a retomada, ela estava preparada. Toda crise esconde oportunidades. Os empresários brasileiros são muito criativos, já passamos por diversas crises e estamos saindo dessa também.

Milton Paes: Quando uma empresa contrata uma consultoria para uma gestão de risco ou para uma auditoria, quando ela quer ou tem a perspectiva de vender, você alerta a direção dessa empresa em relação a tudo o que deve ser feito. Qual é a reação deles?

Waldemir Bulla: Temos de tomar cuidado na hora de fazer a abordagem com a empresa. Nós procuramos mostrar todos os benefícios que ela vai ter com aquele processo. Nos processos em que se busca uma melhoria de governança, uma melhoria de posicionamento, é evidente que o que você encontra é meio doloroso. Eu não tenho tido tanta resistência. Já que a mensagem é crescer e melhorar, embora em muitos casos haja algumas feridas muito fortes, há a preocupação de que existe o problema e que, se quisermos crescer, precisamos nos preparar.

Roberto Müller: A tendência no mercado brasileiro é de que estamos marchando para um capitalismo composto por uma grande maioria de empresas sem um controlador nítido aparente, chamado de capital pulverizado?

Waldemir Bulla: Eu acredito que sim. Somos jovens ainda. Se você fizer uma análise do percentual de investidores e de pessoas que participam do mercado financeiro e das Bolsas, é muito pequeno. Como também nós somos jovens em termos de economia e de abertura desse conceito todo, eu acredito que a evolução seja nesse sentido. Nós estamos em um processo de amadurecimento dessas práticas de governança, de novo mercado, enfim. É um processo constante. Acredito que vamos ter uma pulverização maior, vamos estar mais preparados. Diferentemente de anos atrás, nos que vêm pela frente, a tendência é cada vez mais começar a enxergar, uma vez que a maturidade do mercado está cada vez crescendo mais e isso parece irreversível.

Desde que esses padrões de governança sejam implementados e controlados, nós vamos continuar a ter percalços, porque isso é normal em qualquer negócio e em qualquer economia: os altos e baixos. Mas há uma tendência de solidificação do mercado financeiro e, consequentemente, vamos caminhar rumo a ter alguma coisa parecida.

http://www.dci.com.br/noticia.asp?id_editoria=7&id_noticia=299136&editoria=

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